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Protestos na internet acabam na Justiça

Em duas decisões recentes, tribunais proibiram acusados de fazer críticas na internet

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Por Anna Carolina Papp
Atualização:

Em duas decisões recentes, tribunais proibiram acusados de fazer críticas na internet; casos aumentam debate  sobre liberdade de expressão online

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SÃO PAULO – Em junho de 2011, o engenheiro agrônomo e advogado Ricardo Fraga Oliveira iniciou um movimento chamado “O Outro Lado do Muro – Intervenção Coletiva”, a fim de questionar o uso de uma área de 10 mil m2 para a construção de um empreendimento imobiliário na Vila Mariana, zona sul de São Paulo.

Na quarta-feira, 15, os desembargadores da 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiram manter a decisão de março deste ano de proibí-lo de se manifestar contra o Ibirapuera Boulevard, da construtora Mofarrej Empreendimentos. Fraga também não está autorizado para circular no quarteirão da construção, na Avenida Conselheiro Rodrigues Alves.

Uma das principais ferramentas do autor do projeto de “reflexão sobre o espaço urbano” era seu perfil no Facebook, que contava com mensagens e fotos das manifestações da comunidade, bem como denúncias alegando irregularidades da construtora Mofarrej para a ocupação da área, devido à passagem de um córrego pela região.

 

Processo. Em março deste ano, a empresa solicitou a restrição da manifestação de Oliveira sobre o condomínio na internet, além de pedir indenização por danos morais e materiais que teriam sido causados pelos protestos. A Justiça proibiu o engenheiro de manifestação física em um raio de 1 km a área e de publicar qualquer mensagem sobre a obra nas redes sociais.

A defesa entrou com um recurso, o agravo de instrumento, a fim de acabar com as restrições. Já a construtora solicitou que o perfil do Facebook de Oliveira saísse do ar. A Justiça decidiu que o perfil de quase dois anos poderia ser mantida, mas que todas as menções ao empreendimento – entre duas e três mil publicações, segundo Oliveira – deveriam ser apagadas. O autor do projeto preferiu não fazê-lo, então a página foi censurada.

O outro lado do muro. Ricardo Fraga Oliveira, morador da Vila Mariana que já trabalhou na Secretaria do Meio Ambiente, afirmou que a intenção do projeto nunca foi parar o empreendimento, e sim fazer uma reflexão sobre a ocupação do espaço urbano.

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“A área estava há 60 anos sem uso. Quando vimos um stand no local, mesmo sem saber quem era o proprietário, resolvemos fazer uma reflexão sobre a cidade”, afirmou. No muro que cerca a área, foi colocada uma pequena escada para que as pessoas pudessem olhar por cima dele e emitir suas opiniões sobre como aquele espaço poderia ser aproveitado.

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“Queríamos saber, no imaginário da população, o que ela gostaria de ter para aquela área”, afirmou ele. Após a observação, as pessoas escreviam ou desenham suas opiniões em um pequeno quadro e fotos dos desenhos eram penduradas em um varal na frente do muro. Entre os projetos, estavam parques, praças e centros culturais.

A construtora afirmou que as manifestações afugentavam possíveis clientes do local e que as publicações de Oliveira no Facebook eram ofensivas e caluniosas. “O direito de expressão tem um limite, pois há o direito da empresa de livre iniciativa. O que há na verdade é um choque de direitos constitucionais – e o juiz vê qual deve prevalecer”, afirma Daniel Sanfins, advogado da Mofarrej.

Segundo o site da construtora, o empreendimento Ibirapuera Boulevard possui três torres de 27 andares, com dois apartamentos por andar. São 156 apartamentos e 6 coberturas duplex com, respectivamente, 246 e 391 m2. Estima-se que os valores das unidades podem chegar a R$ 5 milhões.

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Um dos principais argumentações do engenheiro no início dos protestos era a respeito do impacto ambiental que a construção traria na região, uma vez que o córrego Boa Vista, hoje canalizado, passaria sob o terreno onde as torres estão sendo construídas – informação esta que não teria sido mencionada nos autos da empresa.

Juntando-se ao Movimento Defesa São Paulo, o projeto organizou um abaixo-assinado com 5 mil assinaturas a fim de encaminhar os pareceres a respeito da obra. Os alvarás da construtora foram suspensos duas vezes, mas depois foram restabelecidos. Em janeiro, foi instaurado um inquérito civil pelo Ministério Público, com o promotor Vicente Malaquias, para averiguar as irregularidades. Já a empresa afirma que Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) e a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesp) atestaram que não corre um rio pela região.

“A nossa ideia no início não era parar obra nenhuma, era fazer uma reflexão sobre a cidade, sobre a ocupação do espaço urbano; não havia essa pretensão. Todos falam sobre desenvolvimento sustentável, mas o que de fato está acontecendo?” questiona.

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Quanto às proibições impostas pela Justiça, tanto offline como online, o engenheiro é categórico: “Guardadas as devidas proporções, eu me sinto um torturado dos tempos modernos. Isso é ser completamente castrado dos seus direitos”, afirmou.

A construtora alega que as publicações de Oliveira eram ofensivas e prejudiciais à sua reputação. O advogado nega e afirma que a página continha fotos do movimento projeto, das manifestações pacíficas entre moradores organizadas pelo projeto e informações sobre as denúncias ambientais contra a Morrajev. “Nunca fomos ofensivos; o máximo que fizemos foi uma brincadeira de ‘mandiguinha para os futuros moradores’, já que a responsabilidade não é só de quem constrói, mas de quem compra – mas em tom de brincadeira”, afirma.

Sem precedente. Renato Silviano Tchakerian, advogado de defesa de Oliveira, disse que o processo continuará a correr no Tribunal de Justiça, retornando à primeira instância. “Apresentaremos novas provas e testemunhas para mostrar que ele não cometeu nenhuma ofensa; estava tão somente exercendo seu direito de liberdade de expressão”, diz. Há ainda um julgamento em segunda instância que, caso não seja satisfatório, pode levar a questão ao Supremo Tribunal Federal.

“Esse caso ele é simbólico, um caso histórico, porque nunca houve um igual. Ele afirma que, em casos assim, o comum é a citação de precedentes para serem usados na diretriz do julgamento; mas que, desta vez, “não havia parâmetro”.

“Esta decisão pode abrir um precedente muito perigoso para a liberdade de expressão, pois a limita de uma forma muito forte. Muitos casos semelhantes podem acabar recebendo a mesma repressão”, pontua.

Desde março, a organização de direitos humanos e liberdade de expressão Artigo 19 vem acompanhando o caso e emitindo pareceres com base em parâmetros no exterior. ” A nossa avaliação é que a decisão continua sendo ofensa à liberdade de expressão, principalmente comparado aos padrões internacionais”, diz Camila Marques, advogada do grupo.

“O Marco Civil ainda está sendo retido no Congresso; ainda não temos uma legislação que paute essas questões de internet, o que faz com que a jurisprudência tenha que legislar”, afirma. “Este foi um dos primeiros casos em relação a protestos online, e isso abre um precedente muito negativo à liberdade de expressão na internet.”

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