Isto é um computador

E custa US$ 35. Nem só de tablets e smartphones vive a era pós-PC. Conheça o Raspberry Pi

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Por Camilo Rocha
Atualização:

E custa US$ 35. Nem só de tablets e smartphones vive a era pós-PC. Conheça o Raspberry Pi

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SÃO PAULO – Foi nos anos 80 que a Apple começou a vender os primeiros computadores amigáveis ao usuário. Literalmente: quando você ligava um Apple, era saudado pelo ícone de um minicomputador sorridente.

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Até então, para fazer coisas como criar um documento de texto ou uma tabela naqueles computadores de tela esverdeada era preciso digitar uma porção de comandos em código. Coisas para profissionais ou fãs de filmes como Tron e Guerra Nas Estrelas.

Esses primeiros esforços da Apple para produzir uma interface intuitiva e fácil de usar deram início a uma rápida e irreversível transformação da relação entre computadores e usuários. A popularização do Windows foi outra etapa importante nesse caminho. A era do tablet é mais uma: telas de toque acomodam uma porção de aplicativos de propósito específico.

O consenso geral é de que o mundo só teve a ganhar com isso. Não é preciso revisar essa história. A imagem do usuário feliz compartilhando fotos de sua festa com os amigos explica tudo.

Mas há quem ache que nem tudo foi benéfico nessa evolução. Uma equipe ligada ao Laboratório de Computação da Universidade de Cambridge, acredita que o mundo atual, de computadores cada vez mais fáceis de usar, representa uma tendência preocupante.

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“Em 2005, notamos que o número de estudantes que se matricularam em ciências da computação estava baixo”, contou ao Link Eben Upton, principal porta-voz da fundação Raspberry Pi, entidade beneficente ligada ao Laboratório de Computação da Universidade de Cambridge. “Notamos também que as coisas que esses poucos candidatos sabiam fazer deixavam muito a desejar. Antes, era um pressuposto que candidatos soubessem programar em código de máquina, processamento gráfico, muitos já teriam até trabalhado em programação de games.”

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“O que acontece hoje é que temos metade do número de candidatos e todos precisam de muito treinamento. São pessoas que não sabem o básico, nunca mexeram em programação na vida. No máximo, montaram uma página de internet”, lamenta.

Upton e seus colegas desenvolveram o Raspberry Pi como uma resposta de baixo custo a essa situação. Custando entre US$ 25 e US$ 35, o Pi é extremamente rústico: nem gabinete tem. Trata-se de uma placa de circuito impresso (do tamanho de um cartão de crédito) com entradas HDMI, ethernet, USB, AV e para cartão SD. Tem 256 MB de processamento. Seu sistema operacional é GNU/Linux. Conectado a um monitor, faz tudo que um computador médio faz: navega na internet, edita textos, roda aplicativos diversos e passa vídeo em HD. Demora, em média, 15 segundos para ligar.

Seu objetivo principal é ensinar programação a crianças, fazer que elas entendam como funcionam software e hardware. “Nos anos 80, quando eu e meus colegas éramos jovens, tínhamos todos esses computadores que podíamos programar. Hoje, as crianças não têm isso. Algumas nem computador têm, apenas um console de games”, diz Upton.

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Para ele, o Raspberry Pi pode ser usado por crianças a partir dos 9 ou 10 anos. “Talvez até antes, no caso de crianças muito inteligentes.” Ele acredita que o aprendizado da programação não serve apenas para quem quer seguir carreira no na ciência da computação: “Ela ensina maneiras de pensar, essa engenharia dá à pessoa métodos de pensar o mundo, o que pode ser muito útil se você se tornar, digamos, um banqueiro. Acho que é uma boa base para qualquer profissão que use capacidades analíticas. Mas, na verdade, são habilidades que todos precisamos ter.”

O sucesso do Pi surpreendeu seus criadores. “Não posso falar em números absolutos, mas já passamos das dezenas de milhares de unidades vendidas. Não acreditávamos que íamos ter tanta demanda.”

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É por esse motivo que o modelo não vem com gabinete. A peça seria cara demais se a encomenda fosse menor do que 10 mil unidades. Com o volume atual, o Raspberry Pi deve vir com caixa num futuro não muito distante.

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Expansão. O projeto inicialmente visava apenas o Reino Unido, mas acabou sendo alvo de interesse no mundo todo. “Dos países do Brics, muito interesse da Rússia e Brasil, menos da Índia e quase nada da China. Dentre os brasileiros, várias ONGs nos procuraram, também muitas pessoas de escolas particulares e até indivíduos mesmo querendo ter um modelo para si.” Ele diz que é possível encomendar o Raspberry Pi do Brasil, mas a espera é de cerca de três meses.

A renda é revertida para pesquisa e desenvolvimento, mas também vai para diversos projetos educacionais.

“Queremos oferecer prêmios para crianças que desenvolvam software para esse computador”, diz Upton. “Quando comecei a aprender programação nos anos 80, uma das coisas que me motivaram era poder ganhar algum dinheiro com isso. Não acho que seja errado ‘subornar’ crianças para que aprendam a mexer com computadores. Queremos dar prêmios substanciais, de mil libras. Uma possibilidade é oferecer um prêmio assim toda semana para a criança que fizer o aplicativo mais interessante. O desafio não é ‘tente fazer isso’, mas sim ‘nos impressione’.”

Para outra legião, a questão não é dinheiro. Sem querer, o Raspberry Pi está virando símbolo de uma batalha ideológica do software livre e aberto contra a imposição dos sistemas fechados e aplicativos específicos.

Segundo Upton, “logo haverá muito software para o Pi, estamos contando com a comunidade para isso”. O entusiasmo de desenvolvedores e hackers está disseminado pela rede. A seção de projetos do fórum do site do Pi já tem 870 tópicos. O YouTube já tem dezenas de tutoriais. O site Hack a Day fala de uma pessoa que emulou um Pi em seu sistema porque não aguentou esperar pela chegada do aparelho.

Numa palestra em janeiro, o escritor e ativista Cory Doctorow, advertiu: a próxima batalha na guerra do copyright estará relacionada às próprias máquinas e não ao software. Elas virão cada vez mais com especificações bem definidas do que pode ou não ser instalado. O Raspberry Pi já está incorporado ao arsenal da guerrilha do contra-ataque.

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—-Leia mais:Link no papel – 26/03/2012Esse tal de Arduino

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