Enquanto as denúncias de conteúdo impróprio crescem no Brasil, rede social tem de escolher entre manter ou bloquear páginas controversas
SÃO PAULO – Faz pouco mais de dois meses que a estudante de jornalismo Maria Beatriz Borges, de 19 anos, está tentando remover uma página do Facebook. Ela organizou um movimento para que pessoas denunciassem o perfil, chamado “Lobo da insanidade”, que abusa do humor negro e posta imagens e frases sobre temas como violência e estupro. Não adiantou. A página permanece no ar, com mais de 50 mil seguidores, e tem alguns clones com outros milhares de fãs. Depois de quinta-feira, ficou inacessível, mas o Facebook não confirmou se ela estava bloqueada.
—- • Siga o ‘Link’ no Twitter, no Facebook, no Google+ no Tumblr e também no Instagram
“Não se trata apenas de uma brincadeira de mau gosto. No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 12 segundos. A maioria não é atacada por criminosos armados em ambientes perigosos, mas por homens conhecidos delas em ambientes que deveriam ser seguros”, diz a campanha que Beatriz criou. O Facebook não se pronunciou.
Segundo Beatriz, a rede social respondeu afirmando que tinha analisado o conteúdo, mas não havia encontrado violações.
Um grande número de denúncias não garante que um conteúdo específico vá sair do ar. Na verdade, quando há uma denúncia – pode ser apenas uma –, o conteúdo é encaminhado para avaliação por uma equipe do Facebook. Aqui no Brasil, essa equipe reuniu as leis locais e as recomendações de organizações como a ONU, além de práticas da indústria, para criar um procedimento para avaliar conteúdos duvidosos. Tanto o grupo local quanto uma equipe global fazem essa avaliação. Com base nessa análise, o Facebook pode enviar uma advertência ao responsável, suspender a página ou remover definitivamente a conta.
Há casos em que não há discussão – pedofilia, por exemplo. O problema é que, quando o discurso é mais subjetivo, nem sempre a solução é a remoção.
O Link apurou que, se a página tiver como alvo uma pessoa ou grupo específico, ela é removida. Mas se não houver um inimigo claro, ela pode não sair do ar. Neste caso, o Facebook envia um aviso ao responsável para que fique explícito que aquele conteúdo é de humor – mesmo que controverso.
A página denunciada pela estudante diz que não faz apologia e “aborda apenas humor”, mas nela – e em algumas outras que usam nomes semelhantes – há mensagens com referências diretas e indiretas a estupro, incesto, pedofilia e necrofilia, tudo com o pretexto do “humor negro”. Os críticos são chamados de “moralistas”.
O Facebook explicita em seus termos que proíbe conteúdos relacionados à violência, autoflagelação e pornografia. Na Austrália, uma campanha semelhante conseguiu a remoção de uma página de memes sobre aborígines, que foi considerada racista. A página tinha fotos de aborígines com frases ofensivas. O Facebook inicialmente se recusou a removê-la, classificando-a como humor controverso, e afirmou que aquele conteúdo não descumpria seus termos de uso. Quando a campanha cresceu, a rede social voltou atrás.
Problema. “Não há nenhuma lei brasileira que obrigue plataformas online a retirarem conteúdos denunciados por serem supostamente ofensivos”, diz a advogada Fernanda Pascale, doutoranda em novas tecnologias pela USP. “Nesse caso, a página alerta que se trata de ‘humor controverso’. A situação seria diferente se a ilegalidade do conteúdo fosse flagrante e incontroversa, como divulgação de fotos de pornografia infantil”, explica.
Segundo a ONG Safernet, o número de denúncias contra conteúdo impróprio no Facebook quase triplicou em 2012 (mais informações aqui). A ONG estima que em 2013 o site superará o Orkut e se tornará a rede social com maior número de denúncias de conteúdo que viola direitos humanos na internet.
A Safernet também denunciou a página “Lobo da insanidade”. O Facebook disse que não comenta casos específicos, mas enviou um comunicado sobre suas políticas. “Queremos que o Facebook seja um lugar onde as pessoas possam expressar seus pontos de vista, enquanto respeitam os direitos e os sentimentos dos outros”, diz o texto. “Entretanto, em alguns casos encontramos usuários discutindo e publicando assuntos polêmicos. Esse tipo de humor controverso, embora ofensivo para muitos usuários e também para nós que trabalhamos no Facebook, são um reflexo do que existe no mundo offline.” Segundo o comunicado, denúncias devem ser feitas por meio da ferramenta própria.
“Fotos de mães amamentando são excluídas; já páginas como estas ficam no ar. É responsabilidade do Facebook analisar as denúncias e revisar suas políticas. Há páginas que incitam crimes de ódio. Eles não podem excluir parte dos usuários para proteger outra”, reclama Beatriz.
—-Leia mais:• A culpa é de quem? • ‘Violações na rede não devem ser ignoradas’ • Link no papel – 28/01/2013