?É bem mais engraçado retratar a realidade?; diz Mike Judge

Autor de Beavis e Butt-head assina série que expõe o lado cômico do Vale do Silício e o universo das startups de tecnologia

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Por Murilo Roncolato
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LOGIN | Mike Judge, criador da série Silicon Valley

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O jovem Richard Hendriks trabalhava como programador no Vale do Silício em uma empresa “cool”, com paredes coloridas, que diz ajudar o mundo a ser um lugar melhor. Após largar o emprego, passa a se dedicar com amigos nerds ao seu projeto, um algoritmo de compressão de arquivos disputado por investidores adorados como deuses. Sua missão: apresentar-se em um evento de startup e ficar milionário.

A caricatura, exibida no seriado Silicon Valley, parece exagerada. Mike Judge, seu criador, discorda. Para ele, trata-se de um retrato fiel do Vale do Silício, um lugar que, de perto, é um prato cheio para quem sabe rir e fazer rir. O autor das séries animadas O Rei do Pedaço e Beavis e Butt-head, e dos filmes Como Enlouquecer Seu Chefe e Idiocracia, se diz satisfeito com o sucesso da primeira temporada de Silicon Valley, série que estreou na HBO em abril e já tem contrato para uma nova temporada. O canal transmite o sétimo episódio (de oito), hoje, às 22h30.

+ Saiba mais: As melhores criações de Mike Judge‘Idiocracia’, ‘Beavis and Butt-head’ e ‘O Rei do Pedaço’ são seus principais trabalhos

A série Silicon Valley pode ser tomada como um retrato do que acontece no Vale do Silício? A coisa mais engraçada normalmente é a própria realidade, bem melhor do que se tivéssemos que inventar. Até caras que ficam 18 horas por dia sentados em frente a um computador têm um lado engraçado.

Na série, uma stripper diz odiar aquele lugar. O Vale do Silício é chato como mostram? Eu tenho parentes em Palo Alto e Sunnyvale, e minha ex-mulher nasceu em Palo Alto, então eu passei, por 20 anos, todo Natal e Dia de Ação de Graças lá. Era um saco. Eu lembro de ir assistir Corra Que a Polícia Vem Aí! lá e ser o único a dar risada no cinema. Fiquei chocado. As pessoas podem lidar com US$ 30 milhões por mês, mas nunca compram coisas espalhafatosas como uma Ferrari. Talvez seja uma influência da cultura hippie. Mas toda a região – com exceção de São Francisco que é muito bonita – é um tanto tediosa.

Acha que as empresas de lá são supervalorizadas? Umas sim, outras não. Mas provavelmente vamos rir dos valores pagos por algumas daqui alguns anos. Veja o Whatsapp sendo comprado por US$ 19 bilhões. É maluco isso. Alguém pode ganhar milhões vendendo um domínio .com. Você pode passar a valer meio bilhão só porque alguém acha que o que você fez pode talvez ser uma boa solução para alguém. Acho que na verdade já podemos rir disso agora.

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Silicon Valley coloca mais nerds na TV, coisa que The Big Bang Theory fez com muito sucesso. Nerds são os “caras legais” de hoje. Por quê? Eu me graduei em física, éramos estranhos e chatos. Se você encontra alguém hoje que faz faculdade de física ou engenharia você pensa: ‘Uau, isso é muito legal’. Isso definitivamente mudou. Nos anos 90, ninguém tinha um computador. Agora todos têm computador, celulares e tablets. No fim, acho que nerds estão se tornando legais porque estão ganhando muito dinheiro (risos). Garotas incríveis agora dizem: ‘Eu sou tão nerd!’ Já recebi vários cartões de gente se apresentando como nerd. Não sei o que está acontecendo, mas é engraçado ver nerds agora em alta.

Fiquei imaginando uma versão de Idiocracia, mas com nerds governando o mundo, poderia se chamar Nerdiocracia…(risos) Possivelmente no futuro farei algo assim.

O modelo ‘descolado’ das startups de lá deve ser seguido?As pessoas acham que o que fazem é mais legal do que um mero trabalho. No fundo, é mais trabalho e trabalho. E não sai nada incrível disso. Nos anos 50, um chefe chegaria para o funcionário e diria: “Mude de mesa! Grato”. Agora vivemos uma geração em que as pessoas devem ser legais, casuais e modernas. Hoje o chefe diz: “Ei, cara, aquela é sua mesa, mas pode se sentar no chão se quiser”. Visitei algumas empresas, como o Google, e a ideia é a de não ir embora nunca. Você lava suas roupas lá, faz suas refeições… é tão legal, por que ir embora? Sinceramente, não sei se isso é bom.

Você caçoa do ambiente corporativo desde Como Enlouquecer seu Chefe (Office Space).É possível levantar uma empresa sem seguir os padrões corporativos como tentam na série?Eu realmente prefiro o modelo dos anos 50. No meu segundo trabalho como engenheiro, me disseram que pagariam por hora trabalhada e meus colegas ficavam muitas horas a mais que eu, mesmo não sendo pagos por essas horas extras. E eles diziam: “Não… é porque somos uma equipe.” Fazer parte de uma equipe em algum lugar pode ser legal se você também puder ser dono de parte desse lugar. Para mim, o melhor método motivacional é o medo de ser demitido.

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A série brinca com o endeusamento de empresários da tecnologia como Steve Jobs. Em Hollywood, o mesmo não acontece com alguns diretores, produtores e atores? Certamente muita gente aqui em Hollywood é endeusada. Mas há uma diferença curiosa entre Los Angeles e o Vale do Silício: lá, as pessoas podem lidar com US$ 30 milhões por mês, mas nunca compram coisas espalhafatosas como uma Ferrari ou uma Maserati. Não se isso é um influencia da cultura hippie da região… Mas de certa maneira, Los Angeles consegue ser uma região mais divertida, mais viva. Enquanto toda a região da baía de San Francisco – com exceção da cidade de San Francisco que é muito bonita –, que envolve ali a cidade de Palo Alto, Menlo Park, etc, é um tanto tediosa.

Você fez a primeira temporada sem saber se teria continuidade. Agora que a HBO renovou, você já pensa qual poderia ser o final da série? Estou ocupado agora com a série, e talvez estarei ocupado logo mais com o Nerdiocracy (risos). A primeira temporada termina com o TechCrunch Disrupt, que nasceu de uma pesquisa nossa e achamos que seria uma ótima forma de encerrar essa primeira etapa. Aliás, havia algumas empresas brasileiras lá também. Não começamos a escrever ainda, começaremos só em junho, temos algumas ideias sobre o que virá a seguir.

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