A internet está cada vez mais política

Marcel Leonardi, diretor de políticas públicas do Google, fala da relação entre o gigante digital e a legislação brasileira

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Marcel Leonardi, do Google, fala da relação entre o gigante digital e a legislação brasileira

 Foto: Estadão

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SÃO PAULO – O advogado Marcel Leonardi foi um dos principais colaboradores na discussão pública que elaborou o Marco Civil da Internet, projeto de lei proposto pelo Ministério da Justiça para traçar princípios como neutralidade e privacidade na internet brasileira. Tempos depois, Leonardi foi chamado para assumir o posto de diretor de políticas públicas do Google no Brasil.

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Em outras palavras, ele é o responsável por conversar com o governo, articular a defesa dos usuários em casos como o da cobrança do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) sobre vídeos do YouTube embedados em blogs e levar à esfera pública princípios básicos da internet.

Tanto é que ele vive entre idas e vindas de Brasília e participa de audiências públicas para expor a opinião do Google – e a sua – sobre projetos de leis em discussão que afetam a maneira como as pessoas usam a internet, como o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Direitos Autorais e o próprio Marco Civil da Internet.

O advogado também responde questionamentos em nome do Google. Recentemente, o Ministério da Justiça exigiu explicações sobre as mudanças das regras de privacidade. A empresa, afinal, é custeada por publicidade – e neste modelo, os dados pessoais dos usuários têm muito valor. E é neste ponto em que os interesses da empresa e o dos usuários se distanciam. Leonardi diz que é uma questão de conscientização dos usuários sobre as novas regras.

Vestindo camiseta e calça jeans, sem o terno habitual, o articulador do Google deixa claro: hoje as empresas também fazem política. Cada vez mais.

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O Ministério da Justiça questionou as mudanças na política de privacidade do Google. O que vocês responderam? A gente está disposto a trabalhar com as autoridades. Há muita apreensão do que a gente faz em relação à privacidade, mas há pouca compreensão. Antes o Google tinha políticas separadas por produtos. Mas todas elas, com exceção de duas, já diziam que dados de um serviço poderiam ser utilizados em outros serviços. Então a unificação não alterou nada. Os dados que a gente coleta são os mesmos. As exceções eram o YouTube, que tinha uma política própria, e o histórico de buscas, que hoje expressamente pode ser usado em outros produtos do Google.

O que é preocupante. A gente não considera assustador porque damos ao usuário as ferramentas para ele controlar isso. O usuário acessa o painel de controle e diz se quer ou não manter o histórico da busca. A pessoa pode desativar completamente. Seria assustador se acontecesse sem o usuário saber o que tá acontecendo. Todas as empresas do setor adotam esse modelo.

Os dados pessoais são valiosos, e as pessoas não têm ideia do que é feito com as informações. A mudança passou pelo maior esforço de notificação da história do Google. Anunciamos no dia 24 de janeiro, e elas só entraram em vigor no dia 1º de março. Durante todo esse período, tinha um aviso em todas as páginas. A lógica era reduzir o “legalês”, porque a indústria de internet sempre ouviu que as políticas e termos de uso tinham de ser mais claros. Enxugamos radicalmente, só que cai nesse problema: em que momento você consegue forçar alguém a ler? As pessoas sempre dizem que estão preocupadas com a privacidade, mas agem diferente.

O Google foi condenado recentemente por causa de uma postagem no Orkut. A responsabilização de empresas por conteúdo de usuários é recorrente?É um debate antigo. Mundialmente existe o conceito de que a plataforma não é responsável. Nos EUA e na Europa a lei diz isso expressamente. O Brasil ainda não tem uma lei específica. Uma das propostas é o Marco Civil da Internet, que diz que a responsabilidade só será derivada do descumprimento de uma ordem judicial. Na ausência de leis, os tribunais analisam caso a caso. O Google sempre recorre para mostrar que, pela lógica e pelo bom senso, não existe responsabilidade da plataforma.

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Como funciona o processo de remoção de conteúdo, por exemplo, um post de um blog? Em casos de direito autoral, o Google recebe a notificação de alguém que demonstra que é titular daquele direito e que aquilo não foi autorizado, e existe a verificação se isso viola ou não. Mas existem alguns requisitos. Na lei americana, há os requisitos do DMCA (Digital Millenium Copyright Act, lei de direitos autorais sancionada em 1998). No Brasil, da lei autoral.

O próprio Google verifica? Existem os times internos que avaliam. Se há infração, a remoção acontece sem intervenção judicial, porque está de acordo com a nossa política de não permitir violação de direito autoral.

Concorda com a proposta do Ministério da Cultura, na nova Lei de Direitos Autorais, de institucionalizar um mecanismo de notificação? Ainda é controverso. Eles pretendiam incluir o mecanismo que transforma em lei uma prática que muitas empresas adotam. O problema desse modelo é que dá margem para muito abuso. A gente vê muito isso nos EUA. Todo mundo tenta enquadrar própria situação em uma violação para justificar uma remoção.

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Por que vocês se posicionaram contra a cobrança do Ecad sobre vídeos do YouTube? Percebemos uma distorção na postura do Ecad. Achamos importantíssimo deixar pública a nossa posição de que não compactuávamos com aquilo, de que a interpretação da lei estava errada. O grande problema é que os novos modelos de negócio querem florescer, mas eles veem uma interpretação antiga da lei autoral e isso impede que eles cresçam. O Spotify é um exemplo. O sujeito paga 10 euros e tem acesso à milhões de músicas. Muitas vezes a pirataria nada mais é que uma demanda reprimida que o mercado não está cumprindo.

Vocês opinaram nesse texto? A gente participa dos debates, mas depois da consulta pública a coisa fica fechada. No Congresso dá para conversar. É importante. Inclusive, se não fossem os ativistas, muita coisa de regulação de internet no Brasil teria sido diferente. Toda a oposição à lei Azeredo, toda a pressão para o Marco Civil, é fruto do engajamento. Nos EUA, a o caso Sopa foi interessante. O fato da Wikipedia ter saído do ar apavorou muita gente. Foi só aí que houve conscientização sobre os riscos da lei.

Essa lei nos EUA provocou um movimento em defesa dos princípios da internet. As empresas estão assumindo uma postura política? Não tem como a gente não pensar politicamente hoje. Não dá para olhar para o próprio umbigo e pensar que enquanto o negócio vai bem não é preciso conversar. Porque existem questões acima. Quando a gente pensa politicamente é isso, todas as empresas do setor tendem a conversar e entender melhor como isso funciona.

Há necessidade de uma lei atualizada de cibercrimes? Existe a necessidade do juiz ou de quem trabalha com direito criminal entender melhor a internet. Porque a maior parte do que está na lei já funciona. Não podemos correr o risco de adotar um texto tão genérico ao ponto de você estar lá fuçando no celular, sem querer você invade um sistema e vão dizer que você cometeu um crime.

O Brasil ainda é líder nos pedidos de remoção de conteúdo? Sim. No nosso relatório de transparência constam todas as requisições do governo ou da Justiça de remoção de conteúdo. O Brasil é líder em remoções porque aqui é fácil. Você pode ir sem custo e sem advogado a um tribunal de pequenas causas e pedir uma liminar para tirar um blog do ar. Além disso, muita gente está acostumada com a cultura de “na dúvida, vamos pedir para remover”.

O que pode instituir a censura. É. A gente já se deparou com casos assustadores. Está crescendo o número de empresas criticadas por consumidores que entram com uma ação para remover qualquer referência negativa.

—-Leia mais:Link no papel – 26/03/2012

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