Mudança de hábito

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Por Redação
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Os esforços para, mais uma vez, coordenar uma operação de resgate de bancos na Europa, como já foi feito, aparentemente sem grande sucesso na Grécia, chegam agora à Espanha. É um evidente upgrade, na mesma categoria de problemas. Se a sangria não estancar - o que, à luz do caso grego, ninguém pode garantir que se conseguirá -, as consequências serão, obviamente, mais abrangentes e profundas.

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Mesmo que operação de resgate dos bancos espanhóis consiga evitar um colapso, não há dúvida de que o mar na economia global está cada vez menos para peixe. Consolidou-se um suficiente consenso de que este cenário desfavorável se arrastará por um tempo relativamente longo. Desse quadro, resulta um movimento bem nítido de generalizada desinflação de preços.

No caso do Brasil, a oportunidade embutida na crise é a de que seja possível aproveitar os espaços criados pelo alívio geral nos preços para trazer os juros básicos mais rápido aos almejados níveis internacionais. Nos últimos oito meses, já foram cortados quatro pontos, há sinais de que os cortes continuarão e restam poucas dúvidas de que será possível estacionar a taxa real em um máximo de 3%.

O esfriamento da economia global, ao mesmo tempo, indica que dificilmente se devem esperar, para os próximos anos, repiques acelerados de altas na Selic. Haveria assim tempo suficiente para completar a limpeza dos elementos que dificultam, na economia brasileira, uma queda mais consistente dos juros.

Se for possível concordar com esse raciocínio, será possível também compreender que é hora de mudar de hábito e começar a considerar a novidade dos juros baixos nas análises econômicas. Isso ainda não está visível. Exemplo: no debate do momento, há uma convergência em torno da ideia de que a chave do crescimento, para o Brasil, é o investimento na ampliação e qualificação da oferta - e não mais o exclusivo estímulo à demanda de consumo. O tema é propício a se considerar os possíveis impactos do fato inédito dos juros baixos na economia brasileira, mas esse novo condicionante não tem dado muito o ar da graça.

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Diagnósticos e alternativas de políticas ainda não levam devidamente em conta as mudanças que juros baixos promoverão. No entanto, ninguém nega que, tanto quanto colaboram para estimular a atividade econômica, juros mais baixos têm potencial para ajudar a remover distorções na economia.

A principal delas diz respeito, justamente, ao modo como se forma a poupança e se financia o investimento. Taxas de juros altas encarecem, numa ponta, o financiamento da produção e, na outra, drenam recursos da aplicação em atividades produtivas, desviando-os para o mercado financeiro. Juros baixos, por analogia, fazem o serviço inverso, não só disponibilizam mais recursos para investimentos em produção como reduzem os custos do seu financiamento.

Reduzem-se, com juros baixos, as alternativas de aplicações puramente financeiras rentáveis e aumentam em muito os espaços para o surgimento de opções atraentes de financiamento privado de longo prazo a atividades produtivas. Não é por coincidência que, no segmento de bancos de investimento, já se observa um movimento mais intenso de elaboração de estudos para o lançamento de debêntures de empresas privadas. Experientes executivos do setor dizem que estão todos à espera de uma melhora nas perspectivas de crescimento e de um primeiro lançamento bem sucedido de papéis privados para que uma fila de negócios se forme na esteira.

Há também a expectativa de inestimáveis ganhos fiscais. A dívida pública agradece pelo alívio nos custos de carregamento das reservas cambiais e nas despesas com as tão polêmicas operações de empréstimo do Tesouro Nacional ao BNDES. Isso sem falar na redução dos subsídios incorridos com os empréstimos do mesmo BNDES com base na taxa de juros de longo prazo (TJLP). São centenas de bilhões de reais que podem ser poupados e, na sequência, mais bem usados na indução a investimentos.

Operam no Brasil, sem qualquer dúvida, entraves consideráveis ao deslanche dos investimentos. Mas num ambiente de juros baixos, parte não desprezível desses custos tende a se dissolver, impulsionando, via ampliação e melhoria das atividades, o lado da oferta. Se o País conseguir manter juros reais em torno de 2%/3% ao ano, surgirão, inevitavelmente, recursos privados dispostos a bancar a ampliação de negócios. É assim que uma economia estável cresce de forma sustentada.

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Vou ali e já volto.Férias até 10 de julho.

 

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