Fiscalização desidratada

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Por Redação
Atualização:

Do lado da minha coluna, no Estadão impresso desta terça-feira, sobre a real natureza dos investimentos estrangeiros diretos, foi publicada uma reportagem muito interessante e completa do colega Silvio Crespo sobre o risco de desmonte da área de fiscalização do Banco Central. Os dois textos são complementares.

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Em razão de limites de espaço, não deu para destacar quase nada, na coluna, o tema da fiscalização no conjunto de variáveis que levam a suspeitas, levantadas até pelo economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, em relação ao verdadeiro destino dos IEDs ingressados, nos últimos tempos. Mas o relato do Silvio mostra onde se localiza uma parte importante do problema.

No processo de liberação dos fluxos de capitais, ao longo das últimas décadas, o verbo fiscalizar foi aos poucos incorporando uma conotação nova, que se confunde com a do verbo intervir. Sustentado pelos princípios da abertura de canais para a livre circulação dos capitais e, também, pelos ideais de restrição da presença do Estado na economia, os mecanismos de fiscalização foram sendo paulatinamente desmontados.

O Brasil não fugiu à regra. Nas reformas administrativas empreendidas na instituição, a partir dos anos 90, os departamentos de fiscalização foram sendo agregados a outros e compactados. No caso dos capitais externos, tema da coluna já mencionada, órgãos como a Firce (Fiscalização e Registro de Capitais Estrangeiros), de grande evidência em épocas anteriores, foram sendo desidratados até seu desaparecimento como tal.

Mais recentemente, além disso, já aí também por conta de restrições fiscais, o BC tem sofrido uma lipoaspiração. Informa a reportagem do Silvio que, se não houver algum tipo de reversão, o número de funcionários do BC, daqui a dois anos, em razão da suspensão de concursos e da aposentadoria do grande contingente contratado nos anos 70, ficará reduzido á metade do total existente em 1996.

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Mesmo com a substituição de alguns tipos de funções por sistemas computadorizados e o potencial aumento de produtividade que a informática proporciona é um corte de grandes proporções. Quando se sabe, conforme registra a reportagem, que as principais áreas atingidas são a fiscalização e a pesquisa, a situação fica ainda mais preocupante.

No caso de escândalos como o do Banco Panamericano, que estourou em 2010, mas tem origem em manobras consideradas suspeitas desde 2006, o BC tem sido, corretamente, criticado por falhas na fiscalização. Infelizmente, o mesmo não ocorre quando se trata do ingresso de capitais externos autodeclarados "diretos".

As evidentes dificuldades de separar os verdadeiros investimentos externos diretos dos que entram como tal, mas são desviados para outras aplicações, servem de inexplicável justificativa para uma atitude condescendente com possíveis fraudes. Está certíssimo que dinheiro não tem carimbo, mas não é menos certo que os que trazem dinheiro externo têm de registrá-lo no BC e inclusive indicar a modalidade de uso que dele farão.

É mais do que óbvio que, em tempos amplamente digitais, há meios e modos variados para o exercício de uma fiscalização eficiente. Basta o exemplo da Receita Federal, que fiscaliza perfeitamente as declarações dos contribuintes.

Uma alternativa entre muitas, por exemplo, seria rever a norma de ingresso dos IEDs, deixando claro que tais transferências só poderiam ser feitas quando houver, de fato, uma compra de ativos não financeiros ou financiamento de projetos. Ninguém é ingênuo a ponto de considerar que basta isso para garantir que a declaração será honesta. Mas, se a norma definisse, claramente, que o uso desse canal para aplicações em renda fixa ou no mercado de ações estaria sujeito a penalidades, a história poderia ser outra.

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 Uma norma legal como essa, estabelecendo que caberia às empresas provar o uso adequado dos recursos, caso solicitadas, jogaria o ônus da prova para o declarante, que saberia poder ser notificado a comprovar a aplicação dos recursos conforme declarado - de novo, analogamente como é feito com quem, na declaração de ajuste do Imposto de Renda, carrega nas despesas médicas.

Sim, ainda restariam variadas rotas de fuga - o uso de laranjas, o registro de empresas fantasmas com o fim específico de burlar a fiscalização etc. e tal. Mas é óbvio que o risco para o falsário aumentaria geometricamente.

O Brasil precisa - e muito - de capitais externos, principalmente de investimentos diretos. Não deve, portanto, afugentar aqueles que vêm para reforçar ou ampliar nossa capacidade de produção. Só que, em hipótese alguma, essa necessidade pode servir de argumento para que o País se conforme e aceite fraudes.

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