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Opinião|O Municipal em seu centenário: sem previsão de reabertura, sem programação, sem diretor artístico, salários atrasados...

A saída de Alex Klein da direção artística do Teatro Municipal acontece quatro meses após sua chegada ao teatro. Segundo entrevista concedida a Jotabê Medeiros, do "Caderno 2", a decisão foi motivada porque Klein "não conseguiria olhar no rosto de um paulistano e garantir que faria neste ano uma programação à altura do centenário do teatro". Entre os motivos para tanto, estaria a presença de "forças" querendo opinar e deixando sua marca, "criando conflitos". Klein se mostrou interessado em continuar apenas como regente titular da Sinfônica Municipal, mas fontes ligadas ao teatro garantem que a opção foi descartada pela secretaria municipal de Cultura. Quem assume o Municipal, agora? Os suspeitos principais talvez sejam os outros maestros na lista tríplice da qual fazia parte Alex Klein: Luiz Fernando Malheiro e Carlos Moreno.

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Atualização:

Havia, desde o começo de 2010, uma comissão montando uma programação para o centenário. Klein chegou no meio do caminho e quis dar a sua cara à programação. Óperas foram canceladas, artistas desconvidados, num vai e vem que pouco deve ter colaborado para a credibilidade da casa. Além disso, a reforma sem fim do teatro, atrasando a sua reabertura, só tornou ainda mais incerto o tão esperado renascimento da programação. Por tudo isso, se chama a atenção pela rapidez, a saída de Klein não chega exatamente a ser surpreendente.

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O primeiro anúncio da contratação de Klein o colocava como regente-titular da Sinfônica Municipal. No entanto, poucos dias depois, quando o entrevistei para o Caderno 2, ele falava que assumia a função de diretor artístico. Fontes ligadas à direção geral do Municipal me procuraram, então, para dizer que ele era apenas regente titular. No final do ano passado, quando perguntei ao secretário Carlos Augusto Calil sobre a questão, ele foi categórico em dizer que não havia vácuo de poder no Municipal e que Klein era sim o diretor artístico. Disse mais: todos os candidatos ao posto, entrevistados por ele, deixaram claro que só assumiriam a OSM caso fossem também responsáveis pela direção artística global do teatro, o que englobaria outros corpos estáveis e as escolas de música e bailado. A saída de Klein, agora, mostra que o vácuo existia.

Esse contexto, porém, não é novo. E mais do que demonizar Klein como um traidor que abandona a causa em um momento delicado ou beatificá-lo como um heroi que tentou, sem sucesso, mudar o sistema, acho importante reconhecer que ele é apenas mais um personagem de uma história na qual os protagonistas são o caos administrativo e o descaso com que o Municipal vem sendo tratado ao longo dos anos. A angústia com a programação no ano do centenário é compreensível, mas há algo muito mais amplo em jogo. Teremos Rigoletto, Valquíria? Ao que tudo indica, sim. Mas essa discussão não pode mascarar o problema maior, que é a falta de um projeto artístico consistente para o Municipal. A atual gestão começou os trabalhos de maneira promissora, com a central de produção e a tentativa de formatação de um esquema próprio de produção; sete anos depois, no entanto, o teatro começa o ano fechado, sem garantias de reabertura (a data informada, em junho, é tão garantida quanto as tantas outras já divulgadas nos últimos meses), sem programação, sem diretor artístico, com salários atrasados (os vencimentos de dezembro e janeiro ainda não foram pagos).

Recorrer ao projeto que transforma o Municipal em uma fundação como solução para todos os problemas é igualmente ilusório. Ele pode ser importante mas, antes de definir como o teatro vai funcionar, é preciso saber para que ele deve funcionar. E o que se percebe hoje é justamente a ausência de um plano artístico consistente para o Municipal. O esvaziamento, nos últimos dois anos, da temporada do teatro, está enfim cobrando o seu preço. E a atual gestão chega ao ano do centenário levando o teatro em direção à irrelevância. Não será a presença ou não de um concerto de gala ou uma ou outra ópera que vai resolver essa questão.

Opinião por João Luiz Sampaio

É jornalista e crítico musical, autor de "Ópera à Brasileira", "Antônio Meneses: Arquitetura da Emoção" e "Guiomar Novas do Brasil", entre outros livros; foi editor - assistente dos suplementos "Cultura" e "Sabático" e do "Caderno 2"

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