Fiel ao estilo que o caracteriza de negar o que vai fazer - e, muitas vezes, até o que está fazendo -, o governo do PT simulou a desistência que agora revoga, deixou os ânimos baixarem e ressurgiu com o fato consumado, convênio assinado e imposto à revelia das ponderações consistentes que ainda prevalecem.
Independentemente do mérito sobre a importação de profissionais de outros países, o que diz respeito exclusivamente aos cubanos merece a contestação da categoria médica e o anunciado questionamento judicial.
Embora o foco da corporação seja a dúvida sobre a qualidade do atendimento que esses profissionais possam prestar, dada as diferenças de formação e de idioma, há o tratamento discriminatório entre eles e os demais participantes do programa governamental.
O governo vai pagar os salários dos integrantes do programa, de forma direta e o dos cubanos deixará por conta do governo de Fidel Castro, que receberá os recursos do Brasil para estabelecer o salário de seus compatriotas. Ou seja, os cubanos receberão, pelo padrão da Ilha, 70% menos que os demais pelos mesmos serviços prestados em território nacional, dentro de um programa oficial, e desvinculados da CLT.
Para compensar, os municípios alcançados pelo programa arcarão com moradia e alimentação desse contingente à parte que será importado em regime específico, já produzindo novas diferenças entre os integrantes do programa: uns terão moradia e alimentação, outros não, e já se pode imaginar as confusões futuras, considerados os diversos tipos de auxílios que compõem os contracheques do serviço público brasileiro - desde o auxílio-paletó até o de alimentação retroativa.
Pode-se imaginar um médico brasileiro do programa reivindicando, em algum momento, isonomia com aqueles que têm auxílio-moradia, já que o governo brasileiro despende a mesma quantia para ambos, não importando se o governo cubano desconta em 70% os de seu país.
Num país como o Brasil, com uma justiça trabalhista extremamente rigorosa - muitas vezes bem além do razoável -, não deixa de ser estranho que o governo implante um programa que viola todas as regras e conceitos da legislação trabalhista nacional, (sem 13º, FGTS e outros benefícios cobrados ao empresário privado), aplicando-a ainda de forma distinta entre os participantes.
Por trás do recuo do governo está a baixa adesão (só 10,5%) ao programa, impondo o acordo com Cuba, antes admitido como problemático pelos pontos já mencionados, que também torna compulsório o local de trabalho dos cubanos, sem direito a escolher, como os demais, dentro do mapa do programa onde gostariam de atuar: ocuparão os 701 postos desprezados pelos que já se inscreveram.
É uma exceção atrás da outra, num efeito cascata demonstrativo de que o governo perdeu os limites na tentativa desesperada de fazer do Mais Médicos a marca que ainda não conseguiu associar à sua gestão, numa admissão de fracasso do PAC - lançado com esse propósito -, do qual é mais emblemática a falência da infraestrutura nacional.
Importante observar que a forma como esse processo foi encaminhado, e as anomalias que adota, podem fornecer o atestado de óbito que falta para decretar oficialmente a morte do ministério do Trabalho, alheio a um processo que lhe diz inteiro respeito, mas conduzido pelo Planalto e pelo Itamarati.