PMDB impõe agenda negativa ao governo

O clima de guerra que se instalou na Câmara em reação à presidente Dilma Rousseff, de que é reflexo o placar acachapante de 267 a 28 pela criação da comissão que investigará a Petrobrás, indica que a estratégia de confronto escolhida pelo Planalto foi errada, no mínimo, na dose de força empregada.

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Por João Bosco Rabello
Atualização:

O que se seguiu após a questão da Petrobrás, a convocação de 10 ministros para sabatina sobre assuntos delicados e eleitoralmente negativos, mostra que o PMDB resolveu mostrar artilharia pesada. Não está só: há outros partidos da base aliada pegando carona na briga liderada pelo deputado Eduardo Cunha (RJ).

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A primeira conclusão é a de que a presidente Dilma Rousseff seguiu mais a cartilha do PT, embalada pela cantilena de que ao enfrentar o PMDB sobe seus índices nas pesquisas. Pode até ser, mas a relação custo/benefício não se mostra equilibrada. Poderia obter o mesmo dividendo com efeito colateral menor.

É clássico na política que o isolamento de uma liderança deve ocorrer com a exclusão do líder das negociações, sem estender a pena ao partido. Não seria a melhor opção ainda, mas da forma que o governo fez, uniu a bancada ao deputado, hoje o maior desafeto do Planalto.

O Planalto subestima a capacidade do eleitor de avaliar o que se passa. Se o PMDB é o monstro devorador do dinheiro público, porque o governo só agora, em final de mandato, decidiu ir às últimas consequências contra a legenda de seu vice-presidente? É a pergunta óbvia.

A resposta pode nem ser tão óbvia para os que acompanham à distância o processo político, mas ela está no interesse hegemônico do PT que precisa reduzir o tamanho do rival nessa eleição para avançar com seu projeto.

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Para o PT a consequência é menor do que para Dilma. A presidente parece ter atingido o teto no resgate de sua aprovação, e seu enfraquecimento insufla o movimento de retorno do ex-presidente Lula como candidato - idéia suspensa, mas não morta.

Além disso, o ganho com a exposição do PMDB pode ser anulado pela agenda negativa que a Câmara já aprovou para o governo. A sucessão de sabatinas com ministros envolvidos com pautas incômodas, para dizer o mínimo, será grande.

A começar pelo secretário-geral das Presidência, Gilberto Carvalho, que provavelmente terá de se expor a indagações que remontam ao assassinato do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, entre outros temas. Não importa muito no caso se ele se sairá bem: o tema é ruim.

Arthur Chioro, da Saúde, será interpelado sobre o Mais Médicos - mas não só. Também os contratos de sua empresa de consultoria com diversas prefeituras do PT, quando prefeito de São Bernardo, serão explorados.

E, mais recentemente, o escândalo de superfaturamento do ministério da Saúde, em alguns casos de mais de 8 mil por cento, na compra de remédios e locação de veículos para a população indígena, que já resultou no afastamento de oito funcionários da Pasta.

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Essas são apenas algumas pautas de alguns ministros. Mas os convocados são 10 e isso se multiplica numa exposição negativa em momento estratégico da campanha para o governo, quando os ataques da oposição começam a ganhar mais visibilidade. A munição virá, agora, da própria base, o que lhe dá valor de autenticidade impagável.

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A mais, porém, não por fim, a falta de credibilidade do PT em acordos, que torna duvidosa a oferta da presidente ao PMDB de renúncia de candidaturas próprias do PT em seis estados, que toca em ponto sensível ao partido. Mas o PT não avaliza esse aceno, a ele já reagiu. Como tem um histórico de não cumprir acordos, esse seria mais um lançado apenas para administrar a fúria do rival.

É outro ponto da crise que corrói qualquer esforço de reconciliação: a base não confia no PT, o que Cunha sintetizou ao debitar ao Planalto a conta do conflito: "O que é combinado não sai caro", disse, cobrando o cumprimento de acordos.

Os efeitos desse embate se farão sentir na articulação do governo com vistas ao apoio à reeleição da presidente nos Estados. Pode não ser suficiente para impedi-la, mas campanha se faz buscando o mais e não o menos.

O PMDB não age, reage. A percepção de que o adversário vem gradualmente organizando uma estratégia que prioriza a sua redução, acionou o instinto de sobrevivência política, de que o mandato é a materialização. A perspectiva de perdê-lo atinge a cada parlamentar. O todo, provoca a erupção.

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É a perspectiva de perda de poder que uniu a bancada a Eduardo Cunha. O ponto de fervura já atingiu o vice-presidente Michel Temer, cuja liderança sucumbiu à de Cunha, em mais um resultado da ação do Planalto no processo.

De mãos vazias, sem o que oferecer, Temer fez o esforço possível, mas perdeu o controle da bancada.

 

 

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