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Foro especial, debate adiado do STF

A decisão do ministro Teori Zavascki de suspender as investigações da operação Lava Jato, da Polícia Federal, é correta tecnicamente, segundo a maioria dos juristas, e mesmo os leigos mais afeiçoados ao contexto processual, assim podem identificá-la.

Por João Bosco Rabello
Atualização:

No entanto, seu efeito objetivo produz um hiato nas investigações de duração imprevisível, a indicar que a interpretação do ministro tem efeitos colaterais danosos. Alvos da investigação, o ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, e o doleiro Alberto Yousseff, se beneficiam da companhia de possíveis cúmplices parlamentares.

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Não sendo alvos da investigação, mas nelas aparecendo a partir de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, os parlamentares  que justificam a decisão de transferir ao Supremo Tribunal Federal (STF) os inquéritos do caso, acabam estendendo o foro especial para além do círculo de autoridades previsto pela legislação.

Ainda que o julgamento do mensalão tenha quebrado o paradigma do foro especial como impunidade - o que o tornara ao longo do tempo um privilégio -, é inevitável concluir que a prerrogativa aplicada pelo ministro Teori representa a interrupção de uma investigação que ganhara celeridade - virtude escassa no Poder Judiciário.

O episódio remete ao debate inconcluso do STF, como desdobramento do julgamento da Ação Penal 470, sobre a abrangência e aplicação do foro especial, que ganhou mais nitidez com a decisão de remeter à primeira instância o processo contra o ex-senador mineiro, Eduardo Azeredo (que, por sinal, em respeito aos contribuintes, deveria rever sua decisão de participar da campanha eleitoral do PSDB).

O foro especial tem origem na constatação de que era preciso algum instrumento legal que preservasse as autoridades de processos inconsistentes que visam tão somente obstruir ou inviabilizar politicamente o processado.

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A essa garantia corresponde o ônus de um julgamento colegiado em instância única condenatória. Ao rigor na aceitação de um processo, segue-se severidade proporcional à responsabilidade da autoridade constituída.

No entanto, até o julgamento do mensalão, o foro especial funcionou como garantia de impunidade, como demonstrou o caso do ex-deputado Natan Donadon, condenado e livre por mais de uma década. Sem falar em outros que sequer foram julgados.

No caso do mensalão, dada a legião de parlamentares envolvidos, o STF decidiu manter na mesma seara todos os réus, gerando uma polêmica quando, em seguida, despachou Azeredo para a primeira instância, onde estão os demais envolvidos no seu caso, alguns deles, também réus do mensalão, como Marcos Valério.

Agora, a decisão de Teori Zavascki, é na mão inversa: o inquérito que investiga desvio de recursos públicos por agentes não investidos de qualquer mandato, é interrompido na primeira instância para vir ao STF, pelos indícios de participação de parlamentares, alcançados pela escuta telefônica, mas que não são investigados na operação.

São contradições que a interpretação da legislação produz, mas que o STF precisa harmonizar, sob pena de adotar definitivamente como solução um julgamento para cada caso. É o que, aliás, parece ser a tese de Zavascki , a se extrair sua participação no debate estabelecido no caso de Azeredo.

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Na ocasião, questionou-se a abrangência da cobertura do foro especial que, salvo engano, é considerada pela maioria dos ministros bastante ampla. Não obstante, não conseguiram produzir consenso quanto à sua redução, mesmo porque a iniciativa pertence ao Congresso.

Zavascki disse que, à falta de uma proposta melhor, preferiria examinar caso a caso situações que se apresentarem. Mas abriu-se ao debate. Afinal, qual deve ser o alcance do foro especial, e em que circunstâncias o STF deve avocar sua exclusividade como julgador, considerando que as ações de criminosos no setor público só se viabilizam mediante a cumplicidade de autoridades - estas, protegidas pelo foro especial e pelo sigilo que dele emana?

São apenas duas entre tantas outras questões que envolvem o tema e que têm sido difíceis ao STF responder. Mas, como tudo que se adia, piora a cada dia.

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