Na alegoria cristã, uma das armas mais poderosas do referido é a mentira, em todas as suas formas - da dissimulação à hipocrisia, da meia-verdade à terceirização de culpas, das intenções ocultas nos gestos de aparente boa fé. O receituário de político em eleição, portanto, nos ensina a Presidente, fica como o diabo gosta.
E como comparar malfeitos virou o escapismo preferido do PT, vale dizer que a máxima da presidente se aplica a todos - e não só ao seu partido. A diferença é que, com a coroa e a caneta, a licença para ultrapassar limites é avassaladora e parece infinita.
O papel aceita tudo, diz outra máxima, aplicada sem qualquer constrangimento pelo governo, na forma da chamada contabilidade criativa. Se os números não confirmam as teses, mudem-se os números, ensina o secretário do Tesouro, Arno Augustin.
Mas, como a economia, em algum momento, impõe sua realidade, não bastam maquiagens. É preciso lançar mão daquele receituário do vale-tudo quando a perspectiva mais próxima se avizinha danosa, caso dos serviços públicos às vésperas de uma Copa do Mundo.
A insuficiência no atendimento à população, clara há mais de uma década, se concentra num evento de dimensão internacional e produz uma síntese de potencial prejuízo eleitoral, para a qual o governo já se previne.
É nesse contexto, de aeroportos saturados, transporte público inviabilizado, insegurança exposta, atendimento médico em xeque, que deve ser lida a acusação da presidente a setores (que não identifica) disseminadores de um pessimismo injustificável diante dos resultados do país.
Não é filme novo. Seus antecessores, todos, de uma ou outra maneira, mais ou menos contundentes, lançaram mão do mesmo recurso, atenuando as circunstâncias que viveram, tentando animar o distinto público - de resto, papel inerente aos governos.
A diferença agora é que Dilma não restringe seu discurso a um apelo contra o pessimismo, majoritariamente presente entre as diversas correntes de analistas econômicos. Ela formula uma acusação, com sujeito oculto, de terrorismo psicológico para desestimular potenciais investidores.
Terceiriza-se o culpado pela escassez de investimentos. Os dois agentes desse processo - governo e investidores - são agora vítimas de uma conspiração que se resume em avaliações forjadas, desvinculadas da realidade do país.
Trocando em miúdos: não há investimentos porque empresários inidôneos e mídia - sujeitos ocultos da acusação da presidente - conspiram para que o país dê errado. Visto assim, o investidor está equivocado: o país dispõe de ótimos serviços públicos e a economia não é ideologizada. Respira-se liberdade de mercado, não há qualquer sinal de intervencionismo e o governo está empenhado na aplicação de uma política fiscal séria.
Passada a eleição, nem o mais avassalador otimismo será capaz de evitar a realidade: a conta virá em 2015.
Por ora, é campanha, mas convém lembrar que, nela, todos os atores se sentem com licença para adotar o receituário do mais velho de todos.