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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

Os 41 territórios militares do Brasil

Por Eder Brito

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Por Redação
Atualização:

Existe quem defenda a volta da intervenção militar no Governo do Brasil. São pessoas que acreditam que uma "democracia controlada" (haja aspas para se referir a termo tão irônico) é a melhor forma de condução da vida econômica, política e social do país. Não cabe a este blog fazer a análise deste tipo de sugestão estapafúrdia, herança de um pensamento perigoso e elitista. Mas vale olhar um pouco para outra herança: os municípios que têm em seu nome, "homenagens" a militares que se tornaram personagens de algum momento da história do Brasil.

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O país possui 41 municípios que têm em seus nomes Generais, Coronéis, Tenentes, Almirantes, Capitães, Majores e Marechais. Não há nenhum Brigadeiro, o que denota a nossa baixa tradição aeronáutica na hora de homenagear combatentes das forças armadas. Há também muitos Coronéis, que nunca foram militares, mas recebiam a "patente" porque representam o coronelismo, prática política bastante conhecida do interior do Brasil, especialmente na primeira metade do século passado. Os Coronéis, com ou sem patente, representam 17 dos 41 municípios "militares". E se considerarmos os Presidentes da Ditadura que também se transformaram em município, o número sobe para 45 cidades. Existem dois Presidentes Castelos Brancos (um no Paraná e outro em Santa Catarina) e dois Presidentes Médicis (Maranhão e Rondônia ostentam as "homenagens").

E é claro que nem todos os militares que viraram nomes de municípios representam personagens do período 1964-1985. Mas, se analisados a fundo, muitos deles nos fazem pensar sobre a verdadeira representatividade do homenageado em questão. Quem conhece a história do município de Almirante Tamandaré, no Paraná, por exemplo, sabe que os primeiros habitantes da região foram os índios Tinguis. A cidade não virou Tinguilândia e nem se transformou em qualquer coisa que lembrasse de sua ocupação inicial. Fundada no mesmo ano do início do período republicano no Brasil ("proclamada" em 1889 por um outro militar, Marechal), a cidade ganhou o nome de Joaquim Marques Lisboa, o Almirante Tamandaré, figura histórica reconhecida também por combater diversas revoltas populares...

O município paranaense é apenas um exemplo. Se nos debruçarmos sobre o mapa do Brasil e olharmos os outros 5.570 municípios também encontraremos menções pouco representativas direcionadas a algo tão importante quanto à denominação de uma cidade inteira. Marechal Rondon, nascido no Mato Grosso e residente boa parte da vida no Rio de Janeiro, tomou até flechada de índio em 1913, desbravando e "civilizando" a Amazônia. Também virou nome de município... no Paraná. General Maynard, no Sergipe, relembrará eternamente a vida de Augusto Maynard Gomes, governador de Sergipe por duas vezes... durante a Era Vargas.

Confusos com as homenagens, já existem movimentos que querem acabar com essas referências pouco óbvias. A CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação lançou em 2014 uma campanha que visa mudar os nomes de escolas públicas que têm nomes de presidentes do período da ditadura militar. Na Bahia, o Colégio Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici mudou de nome para Colégio Estadual Carlos Marighella, depois de uma eleição organizada por professores, pais de alunos e estudantes em dezembro de 2013.

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Seria possível estender estas campanhas para outros prédios públicos e até para o nome de municípios no Brasil? Quantos municípios alemães foram batizados de Adolf Hitler depois de 1945? Quem teria coragem de sugerir o nome Slobodan Milosevic para qualquer pedaço de território ali pertinho de Sarajevo? Quantas ruas Saddam Hussein existem em Bagdá?

As perguntas soam exageradas, mas são hipérboles para que a gente pense o quanto se negam alguns fatos históricos e o quanto não nos importamos com a memória de nossa divisão político-territorial, oferecendo cidades inteiras à memória de personagens que talvez não tenham sido os mais representativos ou positivos componentes de nossa história.

E enquanto a gente não responde às perguntas acima, a democracia segue, em pé de guerra.

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