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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

A cultura da soberania

Aporá é uma cidade no interior da Bahia com menos de 20 mil habitantes. Próxima da fronteira com Sergipe, duas questões logo chamam a atenção. A cidade orgulha-se de seu filho mais ilustre, o jogador de futebol Magno Alves. Quem? Eu tinha certeza que teria que explicar. Ele jogou na Coréia do Sul, na Arábia Saudita, no Japão e no Qatar. Mas arrebentou na Copa João Havelange, o Brasileirão de 2000, marcando 20 gols pelo Fluminense, que naquele ano protagonizava uma das tradicionais viradas de mesa do nosso futebol. Jogou ainda em times importantes como o Atlético Mineiro, o Criciúma, o Sport e o Santa Cruz. Fosse isso um programa esportivo e logo alguém pediria a palavra pra dizer que Magno é um "cigano da bola". Com quase 40 anos consta que ainda joga, mas a parte famosa da família parece reservada ao irmão Alex Alves, morto precocemente e com carreira mais expressiva. Quem seria então o filho mais ilustre de Aporá? Não importa, sequer sabemos se Alex nasceu na mesma cidade de Magno. O segundo fato que chama a atenção é a quantidade de vezes que o hino da cidade faz referência a Deus. Estado laico? Esqueça disso, sequer republicano ele parece ser no caso de Aporá.

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Por Redação
Atualização:

 

Na política dois fatos recentes marcam a localidade. Primeiramente, o prefeito eleito em 2012, José Raimundo (PT), matou-se com menos de dois meses no cargo. Havia perdido o pleito de 2008 por diferença inferior a 80 votos, mas isso não o abateu e ele seguiu no sonho de governar o local. Zé Raimundo, no entanto, apesar de sofrer as tradicionais pressões populares, não tinha motivos para tirar a própria vida, de acordo com a família. Ele foi encontrado, entretanto, enforcado com uma corda na lavanderia de sua casa em fevereiro de 2013. Matéria da TV Alta Pressão, no YouTube, mostra pessoa próxima afirmando que ele se queixara, em discurso na Semana de Pedagogia, que na eleição tudo era flores, enquanto na administração apareciam os espinhos. Para o entrevistado, tudo foi resultado de "fraqueza espiritual". Afinal, em uma cidade pequena Zé Raimundo sonhava em ajudar a todos "na forma do possível" e a realidade lhe teria levado ao extremo. Ajudar a todos? O que isso significa?

 

Infelizmente José Raimundo deve ter sido vítima da cultura política brasileira, que oferta aos titulares do Executivo a sensação de responsabilidade soberana sobre a vida de seus súditos. Uma pena. O problema é grave e atinge políticos de formas distintas. Seu antecessor, Ivonei Raimundo dos Santos (DEM), protagonizou uma das cenas mais bizarras da política recente em 2011. No portal da transparência da Bahia consta projeto em que ele sanciona algo resolvido pelos vereadores. Até aí tudo dentro do razoável. O problema é que a matéria é constitucional. Isso mesmo: o prefeito sanciona alterações na Constituição Federal. O assunto trata do total de vereadores na Câmara e dos gastos públicos com o parlamento local. No documento, apelo para suas responsabilidades de acordo com o artigo 60 da Constituição Federal, que trata dos atores das emendas constitucionais. E lá existem vereadores e prefeitos? Claro que não! Até deputado estadual pode propor alteração em manobra complexa, mas vereador? Que falta autonomia às cidades no estranho federalismo brasileiro tudo bem, mas numa cidade em que um "rei" se mata e seu "nobre" antecessor tenta reformar a Constituição deve haver algo de errado. Contra os dois, julgamentos distintos: no primeiro caso o divino, no segundo um processo por improbidade contra os envolvidos.

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