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Sirius: o maior projeto da ciência brasileira (parte 2 de 2)

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Por Herton Escobar
Atualização:

"Dinheiro para o projeto está garantido", diz secretário do MCTI

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Os R$ 650 milhões necessários para colocar o Sirius de pé e funcionando ainda não estão garantidos legalmente, mas o secretário executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luiz Elias, garante que eles aparecerão. "Estamos ainda finalizando algumas negociações, mas posso te dizer que os recursos estão assegurados", disse ao Estado na quinta-feira. "Estamos no cronograma e não haverá atrasos. O projeto vai acontecer."

Segundo ele, o ministério está negociando com vários parceiros para dividir os custos do projeto e ampliar o leque de usuários da máquina, tanto no setor público quanto no privado. Entre eles, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a Petrobrás e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além de outras fundações e empresas nacionais.

"O MCTI está assegurando isso como um projeto estratégico para o País", afirma Elias. "Eventualmente, caso não se garanta alguma parte desses R$ 650 milhões, o ministério vai bancar (o que faltar)."

O projeto executivo, que custou R$ 6 milhões, deve ser finalizado em julho. O terreno onde o prédio será construído, de 150 mil m², que pertence ao banco Santander, está sendo desapropriado pelo governo do Estado (por R$ 23 milhões) e será cedido ao LNLS para o projeto. Faltam apenas algumas etapas burocráticas para a terraplanagem começar.

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"A expectativa é que a desapropriação esteja concluída agora em maio. Assim que a nova escritura estiver lavrada, entramos com os tratores", diz o diretor do LNLS, Antonio José Roque da Silva.

 

FOTO: O acelerador atual do LNLS, visto de cima. A parte central é o anel de aceleração de elétrons. As estruturas externas ao anel são as linhas de luz e estações de trabalho dos pesquisadores.

 

FOTO: Um pesquisador argentino observa sua amostra na ponta de uma das linhas de luz do LNLS. Crédito: Marcio Fernandes/Estadão - Copyright

Confiança. Para o engenheiro e físico Ricardo Rodrigues, responsável pelo projeto dos aceleradores, o maior desafio de construir o Sirius será o "excesso de experiência" adquirido pela equipe nos últimos 30 anos, desde que ele, em 1984, recrutou três alunos de graduação para ir à Universidade Stanford com ele fazer um estágio de dois meses para desenvolver o projeto do acelerador atual. Uma iniciativa mais ousada ainda do que a atual, dada as limitações técnicas, industriais e orçamentárias da época.

Quando a primeira equipe do LNLS começou a ser contratada para tocar o projeto, em 1987, Rodrigues também fez questão de selecionar pessoas jovens, recém-formadas e "sem vícios", que poderiam "ser enganadas" a acreditar que o projeto daria certo. Que foi o que aconteceu. "Sempre digo para o pessoal que começou comigo: 'Isso só deu certo porque vocês foram idiotas o suficiente para acreditar que daria'", conta Rodrigues - rindo e falando sério ao mesmo tempo. "Hoje já está todo mundo muito calejado, muito pessimista."

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Ainda assim, ele mantém o otimismo e espera colocar sua experiência "calejada" em prática de novo o mais rápido possível. "Se sair o dinheiro, garanto que entrego para as Olimpíadas."

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O plano é colocar o Sirius para funcionar e produzir o primeiro feixe de luz em 2016. Após essa inauguração, a máquina passará por um período de comissionamento, em que vários testes serão realizados para garantir que ela está funcionando da melhor forma possível. Isso pode demorar vários meses ou até um ano, o que é comum em casos de telescópios e outros equipamentos de grande porte e complexidade como esse. "Não é uma máquina que você liga na tomada e já funciona perfeitamente da primeira vez", afirma Roque. "O plano é abrir para os usuários e começar a produzir ciência em 2017."

Assim como a fonte de luz atual, o Sirius será construído majoritariamente (cerca de 70%) no Brasil - com a vantagem de que agora há várias empresas nacionais que poderão participar do projeto, enquanto que para o UVX quase tudo, incluindo os magnetos, precisou ser projetado e construído "do zero" dentro do próprio LNLS. Alguns componentes serão comprados fora, mas o projeto é 100% brasileiro. "Não somos participantes de um projeto internacional; o projeto é nosso", afirma Roque.

"É um projeto tão bom quanto o da Suécia, só que mais simples e mais barato", afirma Rodrigues, referindo-se a uma fonte de luz síncrotron semelhante que está sendo construída naquele país.

Rodrigues é responsável pelos aceleradores. Pelas linhas de luz, o responsável é o diretor científico do LNLS, Harry Westfahl, e pelo prédio que abrigará a máquina, o responsável é Oscar Vigna. Roberta Gomes faz a gestão do projeto (cronograma e financeiro) e Cleonice Ywamoto, a gestão administrativa. Todos sob a coordenação de Roque.

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Retorno às origens. De certa forma, o Sirius é um retorno às origens do UVX, que foi inicialmente projetado para operar com 3 GeV de energia, mas acabou sendo reduzido para 1,37 GeV, por falta de recursos.

"Desde o início a ideia era que o Brasil precisava de um síncrotron de 3 GeV", conta o pesquisador argentino Aldo Craievich, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, outra figura importante na história do LNLS. "Fizemos uma máquina que funciona de maneira muito satisfatória há mais de 15 anos, mas chegou a hora de pensar em crescer de novo, não só na energia como no brilho. Finalmente o Brasil terá uma fonte de luz à altura da sexta economia do mundo."

Segundo Roque, há mais de 60 fontes de luz síncrotron em operação no mundo, além de outras que estão em construção ou sendo projetadas, o que mostra a importância dessa tecnologia para o desenvolvimento científico e industrial de um país.

"Há cada vez mais máquinas, e mesmo assim o número de usuários não para de crescer, porque novas tecnologias continuam a aparecer", diz o físico francês Yves Petroff, ex-diretor do Laboratório Europeu de Radiação Síncrotron (ESRF). Lá, segundo ele, o número de usuários cresceu de 4.500 por ano em 2002 para cerca de 7.000 por ano, em 2012.

Ciência. Umas das áreas da ciência que vem acrescentando muitos usuários às fontes de luz síncrotron, segundo Petroff, é a paleontologia. Com os avanços tecnológicos das linhas de luz, tornou-se possível fazer "tomografias" de altíssima definição de fósseis, sem precisar desmontá-los. Um bom exemplo é um trabalho publicado no início deste mês na revista Nature, em que pesquisadores utilizaram radiação síncrotron para visualizar a estrutura interna de ossos de embriões de dinossauro descobertos na China.

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Uma aplicação mais clássica da luz síncrotron é na elucidação da estrutura molecular de proteínas, cujo conhecimento é essencial para o entendimento de suas propriedades e funções. Uma técnica que remete à histórica descoberta da estrutura de dupla hélice do DNA, por Watson e Crick, que completa 60 anos no final deste mês. A descoberta, em 1953, foi feita por meio de "fotos" da molécula de DNA feitas com raios X. Hoje, continua-se a fazer o mesmo com os raios X da luz síncrotron, só que com uma precisão muito maior.

 

Foto: Ricardo Rodrigues.

 

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