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De Beirute a Nova York

Os liberais do Mediterrâneo e os conservadores Golfo na batalha pelo mundo árabe

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Por gustavochacra
Atualização:

no twitter @gugachacra

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Já escrevi algumas vezes aqui que existe uma Guerra Fria entre a Arábia Saudita e o Irã no Oriente Médio. Isso não é mais novidade para ninguém, assim como os campos de batalha são o Líbano, a Síria, o Iraque e a Palestina. Porém também existe um conflito cada vez maior entre o Mediterrâneo Árabe e o Golfo Árabe.

Esta batalha tem tanto um viés político, como também cultural, social e econômico. E, caso a democracia vingue no Egito e na Tunísia, pode se agravar ainda mais no longo prazo.

De um lado, estão as monarquias absolutistas do Golfo, como o Qatar, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes e o Kuwait. No campo político, são aliados dos Estados Unidos e não possuem problemas diretamente relacionados a Israel. Na economia, são produtores de petróleo trilionários que aos poucos diversificam a economia. Na cultura, tentam comprar a educação e os museus do Ocidente, literalmente atraindo instituições americanas e européias para as suas capitais.

Atrasadas, estas sociedades do golfo beiram o islamofascismo, além de tratarem as mulheres de uma forma medieval. Não produzem escritores, cineastas e acadêmicos. Nem tentem colocar estas profissões no gênero feminino. No passado, já lancei o desafio para citarem uma cineasta saudita.

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Os árabes do Mediterrâneo são diferentes. Politicamente, eram ou ainda são ditaduras seculares, com a exceção do Líbano, que possui um sistema sectário. Na economia, dependem de transferências de seus cidadãos trabalhando no exterior, do turismo e de atividades distintas, dependendo do país - Argélia e Líbia possuem petróleo, enquanto o Líbano tem seus bancos.

Na cultura, as libanesas, literalmente, com a magistral e bela Nadine Labaki, podem levar o Oscar de melhor filme estrangeiro neste ano.  Escritores? Naguib Mahfouz e Gibran Khalil Gibran, para ficar em dois mundialmente conhecidos. Há a cantora, de novo no feminino, Fairuz. Sem falar nos atores, atrizes e comediantes de Damasco e do Cairo.

Os mediterrâneos árabes, mais uma vez com a exceção do Líbano, que é tão liberal quanto muitos países latino-americanos, ainda são conservadores para os padrões do Mediterrâneo Europeu. Mas são incomparavelmente mais abertos do que no Golfo. Em Tartus, na Síria, é fácil ver meninas de biquínis na praia. Em Alexandria, mulheres de jeans nas faculdades. Lembrem em quantos livros ouvimos falar de Damasco, Beirute, Cairo, Alexandria, Tunis (Cartago, isso mesmo) e Aleppo. Por outro lado, antes do século 20, o que era Dubai, Doha e Riad?

No campo político, aos poucos, os mediterrâneos começam a se irritar com algumas das posições dos países do Golfo, especialmente relacionadas à hipocrisia na Primavera Árabe. Uma hora, eles cansam de ver a Al Jazeera do Qatar falar em democracia quando vigora um regime sem liberdades em Doha. Também lamentam a falta de apoio aos palestinos - se quisessem, os sauditas poderiam ter ajudado Gaza a virar uma Dubai do Mediterrâneo - no sentido econômico, não no social.

E, mais grave, os árabes do Mediterrâneo acham patético os EUA chamarem de moderados os países do Golfo. E eu também. Uma das coisas que mais irritam libaneses e sírios é ser comparado aos sauditas. Além disso, nada deprime mais do que ver estas nações conservadoras patrocinando times de futebol europeus, enquanto não ajudam em quase nada os palestinos. O lobby saudita em Washington é tão forte quanto o israelense. A diferença é que a Palestina está longe de ser a prioridade dos sauditas.

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Por outro lado, em questões culturais e sociais, o Golfo tem ganho influência no Mediterrâneo. Isso é péssimo. Sociedades como a egípcia ficam cada vez mais conservadoras. O mundo árabe seria melhor se a sociedade do Golfo ficasse como a Mediterrânea e a economia de Riad também existisse no Cairo.

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O jornalista Gustavo Chacra, correspondente do jornal "O Estado de S. Paulo" e do portal estadão.com.br em Nova York e nas Nações Unidas desde 2009, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Iêmen e Chipre quando era correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al-Qaeda no Iêmen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Este blog foi vencedor do Prêmio Estado de Jornalismo, empatado com o blogueiro Ariel Palacios

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