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De Beirute a Nova York

O massacre de Sabra e Chatila e o filme israelense Waltz with Bashir

Antes de postar, amanhã, um texto sobre o filme israelense "Waltz with Bashir", publico hoje reportagem que escrevi, em setembro 2007, sobre os 25 anos do massacre de Sabra e Chatila. Acho importante para que todos possam entender os comentários que farei do filme, que tem como pano de fundo o episódio

Por gustavochacra
Atualização:

Os libaneses adoram dizer que fazem festa mesmo durante as guerras. Nos 15 anos do conflito civil (1975-90), as pessoas tomavam sol nas praias, formavam-se nas universidades, viajavam a negócios, freqüentavam cinemas e jantavam em restaurantes que eram inaugurados ao som de bombas. Alguns episódios da guerra libanesa, porém, chocaram o mundo, que passou a prestar mais atenção neste minúsculo país mediterrâneo. O maior deles foi, sem dúvida, o massacre de Sabra e Chatila, que completa hoje 25 anos.

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Nos dias 16 e 17 de setembro de 1982, milícias cristãs entraram nos campos palestinos no subúrbio de Beirute matando entre 700 e 3 mil moradores - há divergência entre o número de mortos, pois muitos corpos foram jogados em valas comuns e outros queimados. A maioria dos mortos era de palestinos, mas também havia muitos muçulmanos libaneses.

Os cristãos queriam vingar-se da morte do presidente Bashir Gemayel - aliado de Israel e morto um dia antes num atentado atribuído, na época, aos palestinos - e não tiveram piedade de quem vivia em Sabra e Chatila. Mataram mulheres grávidas, idosos e crianças. Grande parte das vítimas foi assassinada a facadas.

MATANÇA

Algumas pessoas foram cortadas em pedaços. Homens chegaram a ser decapitados. Mulheres eram estupradas na frente dos maridos. Tudo isso em campos que estavam sob o controle do Exército de Israel, que - comandado pelo então ministro da Defesa Ariel Sharon - ocupava pela primeira e única vez em sua história a capital de um país árabe.

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Os militares israelenses observavam os cristãos libaneses massacrando os palestinos, mas nada fizeram para impedi-los. Os portões foram 'abertos' para as milícias cristãs. Os militantes da Organização de Libertação da Palestina, que faziam a segurança do campo, haviam deixado Beirute semanas antes.

ÁREAS ESQUECIDAS

Hoje, os campos não ficam à mostra dos turistas que vêm visitar Beirute. Mesmo os moradores não sabem dizer onde começa Sabra e onde termina Chatila. São duas áreas miseráveis e esquecidas atrás de um estádio de futebol na beira da estrada que liga o aeroporto ao centro de Beirute.

Diferentes de outros campos palestinos, Sabra e Chatila não são controlados pelo partido Fatah ou pelo grupo radical Hamas. Há membros dos grupos rivais lá dentro, mas para entrar não é necessário mostrar passaporte ou autorização a nenhum palestino.

Tampouco existem guardas armados com bandeiras palestinas, como ocorre nos campos de Sidon e Trípoli. Imagens de líderes libaneses são mais comuns do que as de figuras palestinas nas ruelas ainda destruídas desses campos, onde crianças amontoam-se para pegar um prato de sopa servido por ONGs.

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SOBREVIVENTES

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Da população atual, poucos estavam vivos quando ocorreram os massacres. Na sexta-feira, a primeira do Ramadã (mês sagrado para o Islã), o Estado visitou Sabra e Chatila e conversou com alguns dos sobreviventes.

'O alto-falante da mesquita pediu que ficássemos quietos e nos escondêssemos, pois as milícias cristãs estavam entrando nos campos', disse Rafiza Hatib, de quase 70 anos. Ela se escondeu na mesquita e disse que, após os ataques, juntamente com outras mulheres, teve de limpar as ruelas que ficaram sujas de sangue. No meio delas, viu várias cabeças.

Sua vizinha, Fátima Islam, viu o próprio cunhado ser decapitado. 'Eles (o cunhado e a irmã dela) passaram a noite na minha casa e, de manhã, quando tentavam ver o que aconteceu com a casa deles, foram pegos pelas milícias que arrancaram a cabeça dele', afirmou Rafiza. 'Minha irmã foi levada e morta em seguida. Eu consegui fugir.'

Adnam Alidawi, que hoje é um dos representantes do Fatah no campo, tinha apenas 20 anos. Perdeu vários amigos no massacre. 'Tive de esconder-me cada hora em um lugar diferente', disse. 'Eles matavam com crueldade, cortando a cabeça ou o corpo em pedaços, estuprando as mulheres. Os ataques duraram dois dias e os israelenses apenas olhavam', afirmou.

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Os simpatizantes das milícias cristãs libanesas defendem-se. Evitando comentar sobre o massacre, Fouad Abu Nader, ex-líder da Falange e sobrinho de Bashir Gemayel, lembrou ao Estado que o tio era um líder carismático que havia sido eleito presidente um dia antes de ser assassinado. 'Ele era insubstituível para os cristãos libaneses e tinha apenas 34 anos quando foi morto.'

Há um mito segundo o qual os cristãos teriam saído mais fortalecidos da guerra civil se Gemayel estivesse vivo - ele foi sucedido na presidência do país pelo irmão mais velho, Amin, considerado bem mais fraco politicamente.

ALIANÇA COM ISRAEL

Sobre a aliança com Israel, um ex-líder de milícia cristã, que preferiu não se identificar, afirmou que era a única saída para eles. 'Os muçulmanos podiam ter amparo de vários países árabes. E nós, cristãos, a quem poderíamos recorrer a não ser aos israelenses?', disse o ex-miliciano, que esteve quatro vezes em Israel para treinamento durante a guerra civil, e hoje mora em Mar Elias, bairro de classe média cristã de Beirute, onde muitos prédios têm a imagem de Nossa Senhora na porta.

Em Beirute, 25 anos após Sabra e Chatila, o ódio de muitos cristãos aos palestinos ainda não diminuiu. Jovens membros das Forças Libanesas - grupo radical cristão libanês - que se encontraram com o repórter do Estado, afirmaram que os palestinos não podem, de forma nenhuma, serem integrados à sociedade libanesa porque isso acabaria com o equilíbrio entre as comunidades.

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PALESTINOS

Indagados sobre o que fazer com os palestinos, eles defenderam a expulsão ou até 'mesmo coisas piores', que eles não quiseram detalhar. Essa visão, no entanto, é de uma minoria que ainda vive no tempo das milícias. A maior parte dos libaneses não quer a integração plena dos palestinos, mas acha que a saída está em uma negociação internacional e não na eliminação sumária, como em Sabra e Chatila.

Apenas comentários que tenham alguma relação com o post serão publicados. Como sempre, comentários anti-árabes, anti-semitas e islamofóbicos serão vetados. Serei rigoroso também em textos com ataques entre leitores. Comentários que coloquem um povo ou uma religião como superiores tampouco entram

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