Existem políticos que buscam trabalhar com a oposição. Entendem que, mesmo sendo vencedores de eleições, não possuem poderes supremos. Também sabem que democracia é mais do que votações legítimas. Também inclui divisão entre os três poderes e respeito às instituições.
Recep Tayyp Erdogan, sem dúvida alguma, comandou seu partido AKP para vitórias eleitorais na última década. Apesar de a economia não estar no auge agora, o premiê implementou importantes reformas econômicas. Também buscou uma saída para a questão curda nos últimos meses, negociando um acordo com o PKK.
Por outro lado, Erdogan não é um premiê comum. Ele não respeita a divisão de poderes na Turquia. A liberdade de imprensa é restringida, sendo um dos países com mais jornalistas presos, atingindo patamares de ditaduras. Militares foram detidos sem um julgamento justo. Leis de viés conservador religioso (islâmico, no caso) impondo restrições ao consumo de álcool, por exemplo, também afetam a liberdade dos turcos - a maior parte dos turcos é muçulmana, mas muitos deles são laicos, como muitos católicos no Brasil que jamais vão à missa.
Como não poderá, pelas leis turcas, permanecer como primeiro-ministro, Erdogan ambiciona alterar a Constituição. Não para permanecer mais tempo no cargo. Mas para transformar a Turquia, atualmente parlamentarista, em um regime presidencialista, concentrando os poderes nas mãos do presidente - que seria ele próprio. Seria uma espécie de novo sultão.
Pessoalmente, Erdogan é uma figura que causa divisões. O premiê soa arrogante para os da oposição e como herói para os seus seguidores. Sua hipocrisia é clara. Era o melhor amigo de Bashar al Assad até 2010, antes de se transformar no maior apoiador político da oposição síria, imaginando que o regime de Damasco cairia rapidamente. Este erro de cálculo fez naufragar anos de tentativa da Turquia de se impor como um líder regional.
Erdogan também critica a ocupação israelense dos territórios palestinos. Não haveria problema algum, visto que a própria ONU considera ilegal. Mas as Nações Unidas tampouco reconhecem o Chipre Turco, que conta com o apoio do governo de Ancara, ocupando toda a porção norte desta ilha mediterrânea.
O premiê também critica seus antecessores, muitas vezes militares laicos. Mas, assim como eles, Erdogan permanece sem aceitar sequer que se discuta o reconhecimento do genocídio armênio, causado pelo Império Otomano.
Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires