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De Beirute a Nova York

De Nova York a Sanaa - Uma conversa sobre terrorismo no bastião da Al Qaeda

Por gustavochacra
Atualização:

Todas as tardes os iemenitas se reúnem para o ritual do qat, como é denominada uma planta com efeitos similares aos da folha de coca. Nestes encontros, como em bares paulistanos, eles discutem sobre os principais temas do país, que podem ser de uma partida de futebol ao problema de escassez de água para a agricultura. Com a ajuda dos professores de medicina Zayed Atef e Hadi Saleh, eu participei de dois rituais do qat, em dois dias diferentes, onde foi possível fazer uma espécie de seminário com cerca de 40 iemenitas. Todos eram homens, com mais de 30 anos. Alguns trabalhavam como profissionais liberais, outros como jornalistas e muitos empresários. Poucos estavam envolvidos diretamente com política. Certos participantes concordaram que seus nomes fossem publicados. Mas a maioria pediu anonimato. Em acordo com os dois organizadores, ficou definido que apenas o nome deles apareceria. Nos outros casos, será citada a profissão.

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No encontro, eu lançava uma pergunta e os participantes do ritual respondiam e começavam a debater o assunto. A primeira delas era sobre o risco de a Al Qaeda assumir o poder. "Nosso país é uma civilização antiga, não temos terrorismo", começou um xeque. Um cirurgião gástrico discordou. "Somos muito isolados. Nossa condição econômica é muito débil. Para complicar, estamos ao lado da Arábia Saudita, que é uma rica fonte de energia. Isso nos traz muitos problemas. Os membros da Al Qaeda de países produtores de petróleo  se aproveitam da crise econômica iemenita", afirmou.

Um terceiro participante se envolveu na discussão. "O terrorismo aparece apenas nos meios de comunicação. Querem dizer que somos uma porta para a Al Qaeda. Não é verdade. Há mais membros da Al Qaeda nos países desenvolvidos", disse. Um engenheiro começou a contar a sua versão da criação da rede de Bin Laden. "A Al Qaeda nasceu para lutar contra a União Soviética no Afeganistão. Eram aliados dos EUA. Quem os educou? Os americanos. Depois do Iraque, em 2003, começaram a imigrar para o Iêmen", disse.

Mais um participante se manifestou, dizendo que "o Iêmen é um país muito tranqüilo. Existem problemas porque o nosso território é muito grande. Deveríamos investir no turismo. Eles querem que sejamos pobres, que peçamos esmola. Seria melhor que nos deixassem em paz. Temos peixes e metais". Em seguida, vários acrescentaram que os iemenitas "querem paz". "Você nunca encontrará outro lugar no mundo como aqui. Convidamos os estrangeiros para visitar as nossas casas", afirmou um empresário. Buscando dar contexto, um jornalista explicou que "há apenas algumas centenas membros da Al Qaeda no Iêmen".

No outro ritual, o Estado lançou a pergunta sobre o que os iemenitas achavam da Al Qaeda. "Bin Laden é agente da CIA", disse um. "Al Qaeda foi formada pelos Estados Unidos", acrescentou outro. Em um discurso comum no Oriente Médio, alguns levantavam a tese de que a organização na verdade seria controlada por Israel e EUA. "Por que a Al Qaeda nunca ataca Israel? Estranho, não?", disse um mais jovem. "Caso quisessem ter destruído a Al Qaeda, os americanos o teriam feito em 2001. Eles os mantiveram para poder ficar mais fortes", afirmou um engenheiro. Em seguida, outros refutavam e diziam se tratar de um problema do mundo islâmico e não adianta culpar israelenses e americanos. Quase todos condenavam a rede terroristas. Porém argumentavam entender as ações contra forças americanas no Iraque. Um xeque reagiu e disse que "não há como justificar os atentados suicidas. O islamismo não aceita estas ações".

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O dono da casa, que dirige a faculdade de Medicina de Sanaa, ilustrou o problema. "Veja a segurança ao redor da minha casa. É para proteger a sede do Banco Mundial. Eles estão com medo de um atentado. A Al Qaeda será covarde se atacar aqui. Eu lutarei contra eles", afirmou - ao redor da sua casa, há barricadas para proteger o órgão internacional. Outro, resumiu o problema. "A Al Qaeda faz lavagem cerebral", disse. Para finalizar, no segundo dia do ritual, todos os presentes queriam saber sobre o Brasil, fazendo muitos perguntas sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sobre a economia brasileira.

Perfil (a ferramenta ao lado não funciona) - O jornalista Gustavo Chacra, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia, é correspondente de "O Estado de S. Paulo" em Nova York. Já fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Yemen e Chipre quando era correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al Qaeda no Yemen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Este blog foi vencedor do Prêmio Estado de Jornalismo em 2009

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