A negociação em curso na cúpula dos Brics nos últimos dias deu a impressão errada de que a entrada de ajuda humanitária na Síria é um capricho. Tal como tem sido dito, parece que o governo sírio tem o direito de autorizar ou negar o socorro às vítimas. Não é assim. O direito aplicável à situação de conflito armado interno em curso determina que as pessoas que não participam das hostilidades, os civis, devem ter acesso desimpedido à ajuda humanitária. E isso não está acontecendo por razões políticas, majoritariamente impostas pelos que acreditam na solução militar para o impasse.
A Síria vive hoje a mais aguda guerra civil. De acordo com a ONU, são 70 mil mortos. O conflito se estende já por dois anos e não há solução à vista no horizonte, seja no campo diplomático, seja no campo militar. Os efeitos mais graves desta crise prolongada são os danos à infra estrutura civil e a falta de insumos capazes de mitigar o sofrimento da população. O Estado sírio não dispõe dos meios necessários para fazer frente às necessidades humanitárias resultantes do conflito. Por isso, deve permitir o acesso de equipes que disponham de capacidade real para fazê-lo.
No fim deste encontro, realizado em Durban, os 5 países membros do bloco publicaram uma declaração conjunta chamando o governo sírio a cumprir com sua obrigação de prestar proteção e assistência aos civis. Neste caso, diante da impossibilidade manifesta de que o próprio Estado brinde essa assistência, a declaração teve, para ser realista e efetiva, de defender a entrada de ajuda humanitária externa - uma ajuda que seja conduzida sob os critérios de neutralidade e imparcialidade, sem qualquer aspiração de usar esta ação para fins militares.
Mas isso é o mínimo. Com mais ambição, os governos presentes em Durban poderiam também ter assumido a responsabilidade que a situação requer, exigindo também o cesse imediato de todos os graves crimes que vêm sendo cometidos diariamente na Síria, como mostra o último relatório apresentado pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão Independente Internacional de Investigação da ONU para a República Árabe da Síria. Forças do governo e combatentes rebeldes têm executado pessoas rendidas, feridas e capturadas. Mulheres e crianças também são assassinadas diariamente. Abuso sexual, tortura, desaparição forçada, enfim, quase todas as violações possíveis de serem cometidas numa guerra estão presentes hoje na Síria, de acordo com Pinheiro.
O que Conectas e outras organizações pediram e conseguiram em Durban foi o mínimo indispensável: que, pelo menos, seja permitida a entrada de ajuda humanitária. No fundo, isso não deveria ser tratado como uma opção, mais como uma obrigação. Resta, agora, o mais difícil, que é fazer cumprir.