PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Dialogando com um Cro-Magnon

José Saramago

"E se as histórias para crianças fossem de leitura obrigatória para os adultos? Seríamos realmente capazes de aprender aquilo que há tanto tempo ensinamos?" (via Sirlene Gianotti)

Por Humberto Dantas
Atualização:
Jose Patricio/AE Foto: Estadão

Estou sem palavras. Triste. Quantas coisas de Saramago viraram minhas.

Se você tem trechos favoritos de algum livro, conto, peça, deixe nos comentários deste post. Gostaria de reuni-los em um único lugar.

Há Saramagos em circulação pelo Twitter. Deixo aqui outro maior, de A Carverna, que me fala ao coração.

EM TEMPO

Vários leitores comentam a ausência de imagens de Saramago criança. Encontrei esta no excelente Elpais.com.

Publicidade

 Foto: Estadão

NO TWITTER - citações menores do que 140 caracteres

'É ainda possível chorar sobre as páginas de um livro, mas não se pode derramar lágrimas sobre um disco rígido." @jessicasombra

"Das habilidades que o mundo sabe, essa ainda é a que faz melhor: Dar voltas.@julianalemes

PUBLICIDADE

"O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas.O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas..."@CorreioAtlantic

"Não sou um ateu total, todos os dias tento encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não o encontro."@leocelani

Publicidade

"Nada é para sempre, dizemos, mas há momentos que parecem ficar suspensos, pairando sobre o fluir inexorável do tempo." @robertacwendt

"Para que serve o arrependimento, se isso não muda nada do que se passou? O melhor arrependimento é, simplesmente, mudar." @margoeidt

"As coisas que parecem ter passado são as que nunca acabam de passar"@Fabio_Carrion

"O talento ou acaso não escolhem, para manisfestar-se, nem dias nem lugares." @leocelani

"Deixas agora a Caverna onde todos vivemos e imerges na luz que poucos conhecemos" @de_castro

Publicidade

"O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer" @giannipaula

"O Sr. deu-nos pernas para que andássemos e andamos, que eu saiba nunca homem algum esperou que o Sr. lhe ordenasse Caminha"@Literatura_140

"Estaríamos todos nús, não fosse a imensa dor de ser quem somos e usar as máscaras que usamos" @gabriel_alvesbr

"Penso que não cegamos. Penso que estamos cegos. Cegos que vêem. Cegos que vendo não vêem." @marcondesavio

"Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia."  @cacawerneck

Publicidade

"Por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o mais horrendo e cruel." @tuliovianna

"Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma." @cecilia_galvao

"Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é so um dia mais."@mtdreher

"Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar." @crismoskwyn

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos." @crismoskwyn

Publicidade

"Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo." @danits1

AQUI - Um de meus trechos favoritos - A Caverna (2000)

Trata-se de uma comunidade de ceramistas. Este trecho compara o saber do cérebro e o saber do fazer. O saber das mãos. Fala diretamente pra quem pinta, desenha, fotografa, esculpe, toca.

"Na verdade, são poucos os que sabem da existência de um pequeno cérebro em cada um dos dedos da mão, algures entre a falange, a falanginha e a falangeta. Aquele outro órgão a que chamamos cérebro, esse com que viemos ao mundo, esse que transportamos dentro do crânio e que nos transporta a nós para que o transportemos a ele, nunca conseguiu produzir senão intenções vagas, gerais, difusas, e sobretudo pouco variadas, acerca do que as mãos e os dedos deverão fazer. Por exemplo, se ao cérebro da cabeça lhe ocorreu a ideia de uma pintura, ou música, ou escultura, ou literatura, ou boneco de barro, o que ele faz é manifestar o desejo e ficar depois à espera, a ver o que acontece. Só porque despachou uma ordem às mãos e aos dedos, crê, ou finge crer, que isso era tudo quanto se necessitava para que o trabalho, após umas quantas operações executadas pelas extremidades dos braços, aparecesse feito. Nunca teve a curiosidade de se perguntar por que razão o resultado final dessa manipulação, sempre complexa até nas suas mais simples expressões, se assemelha tão pouco ao que havia imaginado antes de dar instruções às mãos. Note-se que, ao nascermos, os dedos ainda não têm cérebros, vão-nos formando pouco a pouco com o passar do tempo e o auxilio do que os olhos vêem. O auxilio dos olhos é importante, tanto quanto o auxílio daquilo que por eles é visto. Por isso o que os dedos sempre souberam fazer de melhor foi precisamente revelar o oculto. O que no cérebro possa ser percebido como conhecimento infuso, mágico ou sobrenatural, seja o que for que signifiquem sobrenatural, mágico e infuso, foram os dedos e os seus pequenos cérebros que lho ensinaram. Para que o cérebro da cabeça soubesse o que era a pedra, foi preciso primeiro que os dedos a tocassem, lhe sentissem a aspereza, o peso e a densidade, foi preciso que se ferissem nela. Só muito tempo depois o cérebro compreendeu que daquele pedaço de rocha se poderia fazer uma coisa a que chamaria faca e uma coisa a que chamaria ídolo. O cérebro da cabeça andou toda a vida atrasado em relação às mãos, e mesmo nestes tempos, quando nos parece que passou à frente delas, ainda são os dedos que têm de lhe explicar as investigações do tacto, o estremecimento da epiderme ao tocar o barro, a dilaceração aguda do cinzel, a mordedura do ácido na chapa, a vibração subtil de uma folha de papel estendida, a orografia das texturas, o entramado das fibras, o abecedário em relevo do mundo. E as cores. Manda a verdade que se diga que o cérebro é muito menos entendido em cores do que crê. É certo que consegue ver mais ou menos claramente visto o que os olhos lhe mostram, mas as mais das vezes sofre do que poderíamos designar por problemas de orientação sempre que chega a hora de converter em conhecimento o que viu. Graças à inconsciente segurança com que a duração da vida acabou por dotá-lo, pronuncia sem hesitar os nomes das cores a que cha ma elementares e complementárias, mas imediatamente se perde, perplexo, duvidoso, quando tenta formar palavras que possam servir de rótulos ou dísticos explicativos de algo que toca o inefável, de algo que roça o indizível, aquela cor ainda de todo não nascida que, com o assentimento, a cumplicidade, e não raro a surpresa dos próprios olhos, as mãos e os de dos vão criando e que provavelmente nunca chegará a receber o seu justo nome. Ou talvez já o tenha, mas esse só as mãos o conhecem, porque compuseram a tinta como se estivessem a decompor as partes constituintes de uma nota de música, porque se sujaram na sua cor e guardaram a mancha no interior profundo da derme, porque só com esse saber invisível dos dedos se poderá alguma vez pintar a infinita tela dos sonhos. Fiado do que os olhos julgaram ter visto, o cérebro da cabeça afirma que, segundo a luz e as sombras, o vento e a calma, a humidade e a secura, a praia é branca, ou amarela, ou dourada, ou cinzenta, ou roxa, ou qualquer coisa entre isto e aquilo, mas depois vêm os dedos e, com um movimento de recolha, como se estivessem a ceifar uma seara, levantam do chão todas as cores que há no mundo. O que parecia único era plural, o que é plural sê-lo-á ainda mais. Não é menos verdade, contudo, que na fulguração exaltada de um só tom, ou na sua musical modulação, estão presentes e vivos todos os outros, tanto os das cores que já têm nome como os das que ainda o esperam, do mesmo modo que uma extensão de aparência lisa poderá estar cobrindo, ao mesmo tempo que os manifesta, os rastos de todo o vivido e acontecido na história do mundo. Toda a arqueologia de materiais é uma arqueologia humana. O que este barro esconde e mostra é o trânsito do ser no tempo e a sua passagem pelos espaços, os sinais dos dedos, as raspaduras das unhas, as cinzas e os tições das fogueiras apagadas, os ossos próprios e alheios, os caminhos que eternamente se bifurcam e se vão distanciando e perdendo uns dos outros. Este grão que aflora à superfície é uma memória, esta depressão a marca que ficou de um corpo deitado. O cérebro perguntou e pediu, a mão respondeu e fez. Marta disse-o de outra maneira, Já lhe apanhou o jeito."

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.