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Economia e políticas públicas

Opinião|Eleições e a campanha de 'quem transfere mais'

Os primeiros petardos mais sérios da campanha eleitoral começam a ser disparados, e preocupa que, mais uma vez, o campo principal da disputa entre os candidatos venha a ser o das promessas - em que cada um busca superar os outros - de transferências crescentes de recursos do Estado para a população.

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Atualização:

Muitos economistas e cientistas sociais enxergam o movimento em prol da distribuição de renda como a tônica de três décadas de redemocratização no Brasil. Num país que ainda é dos mais desiguais do mundo, a preferência da sociedade, manifestada a cada votação, pela busca de maior justiça social deve ser vista como uma faceta saudável da política brasileira.

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Isso se torna ainda mais justificável num momento em que a desigualdade transforma-se num dos principais temas do debate global, como fica claro no fenômeno em torno do economista francês Thomas Piketty e do seu livro de estrondoso sucesso, "O Capital no Século XXI".

O Brasil, porém, vive um momento muito particular. A distribuição de renda, ao menos aquela ligada ao trabalho, melhora há bem mais de uma década, e uma nova classe média popular emergiu, com justas ambições de continuar sua ascensão e agregar benefícios de cidadania (mobilidade, segurança, saúde, educação) à ampliação de consumo já conquistada.

Mas a economia brasileira estagnou, o que coloca em xeque a continuidade do progresso social. Um dos mais respeitados especialistas em pobreza e desigualdade do País, o economista Ricardo Paes de Barros (hoje na Secretaria de Assuntos Estratégicos) vem alertando que o modelo de aumento da renda da base da pirâmide sem crescimento concomitante da produtividade destes trabalhadores está chegando ao limite.

Em 2015, o Brasil vai provavelmente passar por um ajuste doloroso, que envolverá ajuste de tarifas de serviços públicos, aperto fiscal e alta de juros. Também será o ano em que será definida uma nova regra de reajuste do salário mínimo, que hoje é a renda (seja salarial, previdenciária ou assistencial) de quase 30 milhões de brasileiros. Grande parte deste contingente recebe o salário mínimo como transferência do Estado, seja da Previdência ou de diversos programas sociais.

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Nos bastidores da discussão econômica de auxiliares de Dilma Rousseff, de Aécio Neves e provavelmente também de Eduardo Campos, é bem sabido que a atual política de reajuste do salário mínimo transformou-se numa armadilha econômica para o Brasil. O peso sobre as contas públicas é enorme e crescente, limitando o espaço para o investimento.

A dinâmica da campanha, porém, não aponta na direção de uma discussão séria sobre o assunto. Em sua entrevista ao Estado, Armínio Fraga, ex-presidente do BC e apontado como ministro da Fazenda de um eventual presidente Aécio, foi cauteloso ao tocar no assunto. Segundo Fraga, o assunto precisa ser estudado, já que "o salário mínimo cresceu muito ao longo dos anos", e os salários, não apenas o mínimo, "precisam guardar alguma proporção com a produtividade".

Mesmo todo esse cuidado ao tratar do assunto não impediu que, nas redes sociais, rapidamente surgissem 'posts' em que Fraga, e até Aécio, aparecem dizendo que o salário mínimo "está alto demais".

Aliás, em seu pronunciamento de 1º de maio, Dilma fustigou os "que reclamam que o nosso salário mínimo tem crescido demais" e "defendem a adoção de medidas duras, sempre contra os trabalhadores". Dilma também comprometeu-se a continuar a política de valorização do salário mínimo, embora tenha deixado algum espaço de manobra ao não explicitar que a atual regra será mantida.

Porém, numa mostra de que no jogo do salário mínimo os lados sempre tendem a se embaralhar, recentemente o líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA), protocolou, junto com o líder do Solidariedade, Fernando Francischini (PR), um projeto de lei para estender a atual política do salário mínimo até 2019. Não se deve esquecer que, na última campanha presidencial, o então candidato tucano, José Serra, em momento de desespero, prometeu um aumento do mínimo para R$ 600 em 2011 - o que na época correspondia a uma alta real inteiramente incompatível com a solidez fiscal.

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Os sinais, portanto, incluindo o aumento de 10% do Bolsa-Família anunciado por Dilma em 1º de maio, parecem indicar que mais uma vez os candidatos pedirão para os economistas se calarem e partirão para a tradicional disputa sobre quem vai transferir mais. A armadilha de baixo crescimento da economia brasileira também tem um componente político, ligado aos incentivos eleitorais que privilegiam as transferências em detrimento da produtividade.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Opinião por Fernando Dantas
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