Para um BC muito zeloso em não antecipar de forma peremptória movimentos de política monetária, o que é diferente de implicitamente indicar tendências, foi quase uma quebra de protocolo. Necessária, porém, diante da confusão causada pela manutenção da expressão "neste momento" no comunicado pós-Copom da reunião de julho.
Uma corrente majoritária do mercado interpretou o "neste momento" como um indicativo de chances muito palpáveis de a Selic ser cortada na reunião do início de setembro. O mercado futuro reagiu a essa interpretação, com os juros sinalizando probabilidade razoável de corte da taxa básica no curto prazo.
A partir daí, fontes do governo se manifestaram por meio de artigos na imprensa (um deles, deste colunista, foi divulgado pela AE-News/Broadcast na sexta-feira, 18/7, no final da tarde), dando conta de que a interpretação do mercado sobre o comunicado da reunião de julho estava equivocada.
"Adivinhação, e não interpretação", disse uma das fontes, lembrando que o comunicado foi uma exata reprodução do anterior, da reunião de maio. À época, o "neste momento" foi visto por boa parte do mercado como algo entre neutro (mesmo peso para chances de subir ou descer) e indicativo de possibilidade de retomada da alta, em ambos os casos sem conotação de curtíssimo prazo. Nas matérias na imprensa nos últimos dias, ficou claro que as fontes consideravam a interpretação de maio mais certa do que a de julho, em que o "neste momento" indicaria boas chances de a Selic cair em setembro.
O mercado, porém, ainda pagou para ver, e apenas hoje, após a ata, os juros futuros se ajustaram de fato para um cenário de manutenção da Selic em 11% por um período mais longo.
"Eles provavelmente acharam que repetir o comunicado de maio seria a forma mais simples de sinalizar continuidade, e se surpreenderam com a reação do mercado", analisa Alessandra Ribeiro, sócia e economista da consultoria Tendências.
Na ata divulgada em 24/7, o BC avisa que, entre as reuniões de maio e julho, a projeção de inflação para 2014 e 2015 subiu nos dois cenários - o de referência, que pressupõe manutenção do câmbio em R$ 2,20 e da Selic em 11% em todo o horizonte relevante; e o de mercado, que supõe que as duas variáveis sigam a tendência apontada pelos analistas de mercado. Em outras palavras, a piora das expectativas inflacionárias dá substância à explicitação do BC sobre sua intenção de manter a Selic em 11%, mesmo diante de um cenário de atividade cada vez pior.
Dúvida
Mesmo a ata explícita, porém, não foi capaz de sepultar de vez a ideia de queda da Selic em setembro para 100% dos analistas. Alexandre Ázara, economista-chefe e sócio do Modal, frisando que acha que a taxa básica será mantida, ainda considera que existe alguma possibilidade de queda diante de dados de atividade até a reunião de setembro que tragam fortes surpresas negativas ante o cenário contemplado pelo BC. Uma divulgação particularmente decisiva será a do PIB do segundo trimestre, no final de agosto.
Ázara lembra que a última projeção do PIB de 2014 do BC, que consta do Relatório Trimestral de Inflação de Junho, é de alta de 1,6% - muito mais otimista que as muitas previsões de PIB abaixo de 1% que começaram a surgir nas últimas semanas.
Desse fato, o economista depreende duas consequências. A primeira é que, se o BC diz - como também está na ata - que a inflação vai convergir para a meta (ainda que apenas no final do horizonte de projeção) com um cenário tão otimista de atividade, é muito improvável que uma alta da Selic seja retomada se o ritmo da economia vir a se revelar muito mais próximo da projeção do mercado do que daquela da autoridade monetária.
A segunda conclusão é que, diante de um número muito catastrófico do PIB do segundo trimestre, o BC poderia considerar que o seu cenário não se confirmou - e, a partir daí, sentir-se no direito de cortar a Selic em setembro.
"O mercado interpretou a ata como um sinal de que a Selic não cai em setembro de jeito nenhum, mas acho que talvez o mais correto seria interpretar que ela não cai em setembro desde que o cenário evolua de forma não muito fortemente distinta do que pensa o BC", diz Ázara.
Alertando que é complicado colocar números precisos no seu raciocínio, ele acrescenta que um PIB do segundo trimestre de 0,1% seria a confirmação do cenário do BC, uma queda de 0,4% já seria uma grande surpresa negativa, que poderia levar a um corte em setembro. "Se caísse 0,7%, eu diria que as chances de corte seriam muito altas".
Alessandra, da Tendências, tem dificuldades de concordar com esse ponto. Aliás, a consultoria prevê justamente queda de 0,4% no PIB do segundo trimestre, com revisão para o território negativo do primeiro, o que configura dois trimestres consecutivos de queda, ou recessão técnica, segundo uma das definições.
Ela acha, porém, que, mesmo com a projeção de 1,6% de alta do PIB em 2014 do Relatório de Inflação, o BC acompanha os dados de alta frequência e já sabe que é enorme a possibilidade de o resultado ficar muito abaixo disso.
"O Banco Central está acompanhando a conjuntura e não redigiria o parágrafo 31 daquela forma se estivesse disposto a cortar em setembro diante de um número bem ruim do PIB do segundo trimestre, o que não seria uma surpresa total para ninguém", diz Alessandra.
Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 24/7/2014, quinta-feira.