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Economia e políticas públicas

Opinião|"Apesar dos avanços, política social tem de mudar"

Ricardo Paes de Barros, considerado um dos maiores especialistas em política social do Brasil e do mundo, diz que País acertou muito nesta área nos últimos dez a 15 anos, mesmo sem planejamento muito racional. Agora, porém, política social tem de mudar em função da aceleração dramática do envelhecimento demográfico.

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Atualização:

O Brasil acertou na política social nos últimos dez a 15 anos, mas pode errar muito nos próximos 20 a 30 anos, se não fizer grandes mudanças no vasto cardápio de programas e transferências implantado desde a Constituição de 1988. O diagnóstico é de Ricardo Paes de Barros, da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), e considerado um dos maiores especialistas em política social do Brasil. Ele foi um dos principais formuladores das propostas de política social de Marina Silva na campanha eleitoral de 2010.

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Barros considera que a grande melhora social deveu-se, mais do que à transferência de renda, ao mercado de trabalho. Ele mostra que, de 2001 a 2011, a renda real dos 25% mais pobres no Brasil cresceu 83%, e mais da metade desta expansão derivou da renda do trabalho. A melhora da educação, por sua vez, foi responsável por mais da metade da alta dos salários.

Paes de Barros, porém, faz uma afirmação adicional, que é objeto de menos consenso. Para ele, embora o progresso social tenha sido possível por uma situação econômica excepcional, baseada em boa parte pelo boom de commodities puxado pela China, a ação da política pública foi fundamental. Essa posição não é evidente à primeira vista. O próprio fato de que a melhora tenha sido puxada pela renda do trabalho pareceria indicar que mecanismos de mercado, mais do que ação do governo, foram primordiais.

O economista, porém, mostra que a correlação acima não é tão óbvia. Por que o impulso econômico converteu-se num aumento da renda tão enviesado para os mais pobres? Ele julga ter indicações significativas de que as políticas públicas que afetam o que chama de "inclusão produtiva" tiveram um papel fundamental em direcionar para baixo da pirâmide os ganhos da economia.

O seu melhor exemplo é o que ocorreu no Maranhão e no Piauí entre 2001 a 2011. Uma diferença quase chocante chama a atenção. No Piauí, a renda dos 10% mais pobres cresceu 12% ao ano. No Maranhão, o ritmo do mesmo grupo foi de 1% ao ano.

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Para Barros, esse contraste pode ser explicado pelo fato de que o governo estadual do Piauí (Wellington Dias, do PT, foi governador de 2003 a 2010) soube aproveitar muito melhor - em coordenação com os municípios - o cardápio disponível de políticas sociais e de inclusão produtivas, basicamente vindo da esfera federal. São programas como crédito a pequenos agricultores ou compras governamentais de alimentos, que afetam justamente o mercado de trabalho das camadas mais pobres.

A diferença no desempenho da renda dos mais pobres no Maranhão e no Piauí indica, para Barros, que a melhora social no Brasil foi movida a fatores econômicos fortemente mediados pela política pública.

Curiosamente, porém, o economista, que é um grande estudioso de políticas sociais, tem muita dificuldade em explicar porque a experiência brasileira das últimas décadas foi tão bem sucedida. Na sua narrativa, houve uma explosão de iniciativas, que teve origem na Constituição de 1988, mas se acelerou a partir do início da década passada. Em seu conjunto, a política social não obedeceu a um planejamento muito racional, mas correspondeu mais a um ativismo intenso, em que se criava um novo programa para tentar resolver uma lacuna ou um efeito colateral indesejável de programas anteriores.

Assim, apesar dos muitos avanços, a falta de uma estratégia mais refletida pode ser uma das causas das muitas dificuldades ainda a resolver e de legados potencialmente ameaçadores. Nos extratos muito pobres, por exemplo, cresceu a proporção de trabalhadores desqualificados, entre os quais se encontram jovens que não trabalham e nem estudam. Em outras palavras, é um contingente que nem está aprimorando seus conhecimentos nem acumulando experiência prática no mundo profissional (aliás, são chamados de "nem-nem"), e que pode estar formando um novo "núcleo duro de pobreza". Há políticas públicas voltadas a esse segmento, mas os avanços até agora não foram grandes.

Outro problema é que a alta da renda do trabalho foi muito maior do que a elevação da produtividade, o que indica que a continuação do processo nas mesmas bases pode não ser sustentável.

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Mas a maior ameaça é que o Brasil está entrando numa fase de envelhecimento demográfico extremamente veloz, o que pode tornar todo o edifício da política social - ainda fortemente enviesado na direção dos idosos - não só obsoleto em termos funcionais como insustentável em termos fiscais.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com.br)

Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 25/8/14, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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