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Siemens 'blinda' executivos e irrita investigadores do cartel

Por Lilian Venturini
Atualização:

Multinacional alemã não abre dados de profissionais sob alegação de que 'não tem autorização' da matriz

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A Siemens, multinacional alemã que assinou acordo de leniência para revelar como operou o cartel metroferroviário em São Paulo e no Distrito Federal entre 1998 e 2008, blindou parte de seus executivos das investigações em curso no Brasil.

Em ofício endereçado ao Ministério Público a empresa informou que "não obteve a necessária autorização para informar seus dados", em alusão a um grupo de dirigentes e ex-dirigentes sobre os quais foram solicitadas informações em caráter oficial pelo Ministério Público de São Paulo, em âmbito criminal. A maioria desses executivos reside na Alemanha.

A carta da Siemens, datada de 5 de dezembro, frustrou os investigadores. Na avaliação deles, o gesto da empresa 'fura' o acordo e abre caminho até para um eventual rompimento do pacto. Eles suspeitam que os profissionais que estão investigando participaram do cartel.

Argumentam que a Siemens, na condição de leniente, se obrigou a cooperar ao subscrever o compromisso com o próprio Ministério Público e com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Veem na conduta da Siemens "um entrave" às investigações.

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O acordo, firmado em maio de 2013, recebeu adesão de 6 executivos da Siemens, inclusive o engenheiro Everton Rheinheimer. Ele delatou esquema de pagamento de propinas que teria vigorado em administrações do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) dos governos Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, todos do PSDB paulista, e na gestão José Roberto Arruda, em Brasília.

Os 6 lenientes estão à margem de eventual acusação penal por cartel e fraudes, protegidos que estão pela Lei 12.529/11 - a norma estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

O artigo 87 dessa lei impede oferecimento de denúncia "com relação ao agente beneficiário da leniência".

O alvo do Ministério Público é um grupo de executivos que, na avaliação dos investigadores, tiveram envolvimento de alguma forma com o cartel dos trens. Eles não estão entre os lenientes, portanto, são passíveis de acusação perante a Justiça. A promotoria fez a solicitação sobre dados pessoais em novembro e reiterou o pedido duas vezes, por meio dos ofícios 608/13, 628/13 e 695/13. Os promotores pedem acesso a informações relativas a profissionais que já ocuparam ou ainda ocupam cargos na multinacional. Eles reputam tais dados "importantes e decisivos" para o desfecho da investigação que conduzem sobre delitos econômicos no âmbito do cartel.

O objetivo é oferecer denúncia criminal contra alguns desses executivos. Mas, para tanto, necessitam de suas qualificações até para intimá-los e tomar seus depoimentos.

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Sobre um grupo mencionado pela promotoria, a Siemens respondeu que "com exceção de Marcos Vinícius Missawa, todos os demais indivíduos listados não são e não foram empregados da Siemens Ltda, motivo pelo qual não dispomos de suas qualificações em nosso banco de dados".

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"Em relação às outras pessoas mencionadas no ofício, convém informar que contatamos a Siemens AG na Alemanha", prossegue o texto, assinado por uma advogada da empresa. "Daí fomos informados que, apesar de a Siemens AG estar preparada para responder a esta solicitação, de acordo com a legislação alemã vigente sobre proteção de dados, a transferência ou divulgação de informações pessoais de indivíduos a pedido de autoridades estrangeiras é proibida e, consequentemente, não pode ser feita sem a autorização expressa dos mesmos."

A multi alemã assinala, ainda. "A legislação a que está sujeita a Siemens não contém nenhuma exceção que permita a transferência das informações pessoais solicitadas nem à Siemens Ltda (no Brasil) nem às autoridades estrangeiras. Por isso que, infelizmente, a Siemens AG não pode disponibilizar as informações requisitadas, exceto se houver um pedido oficial de assistência internacional emitido pelas autoridades brasileiras para a competente autoridade alemã."

O Ministério Público, no entanto, considera que o caminho sugerido faria arrastar por longo tempo a investigação.

No trecho final de sua resposta, a Siemens destacou. "Dentro dos limites legais de sua atuação, a Siemens AG procurou os demais indivíduos que ainda permanecem na empresa, mas não obteve a necessária autorização para informar seus dados ao Ministério Público de São Paulo."

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E finaliza: "Assim, não há como prover os dados requisitados por não serem relativos à Siemens Ltda e sem expor a Siemens AG ao risco de infringir direitos individuais que a Constituição alemã inclui como parte das mais altas garantias que uma pessoa pode ter."

Os investigadores alegam que a Siemens resiste a fornecer dados que podem subsidiar a acusação que poderão apresentar.

Eles advertem que a consequência prevista na lei é o descumprimento do acordo de leniência e dos benefícios dele decorrentes, como isenção da denúncia. Neste caso, até os lenientes poderiam se tornar réus em uma eventual ação penal.

O que diz a Siemens. A multinacional alemã, que assinou o polêmico acordo de leniência para desvendar o cartel metroferroviário, nega categoricamente a blindagem de seus executivos.

A reportagem encaminhou perguntas à Siemens sobre o episódio. 1) Por que a Siemens resiste a repassar esses dados ao Ministério Público? 2) Essa conduta não contraria a disposição da empresa quando fechou acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica? 3) Em que se baseia a Siemens para blindar os executivos?

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"Todas as investigações atuais referentes ao setor metroferroviário têm como fonte a denúncia da Siemens", destaca a empresa. "Com base em sua política de integridade e obediência às leis (Compliance), a Siemens forneceu documentos resultantes de suas averiguações internas para que as autoridades competentes possam prosseguir com suas investigações."

A Siemens afirma que "segue rigorosamente os termos de seu acordo de leniência com o Cade e os Ministérios Públicos Estadual e Federal".

A empresa destaca, ainda, que "ao mesmo tempo tem cooperado integralmente com as demais apurações, manifestando-se oportunamente quando requerido e se permitido pelos órgãos competentes e pelas leis aplicáveis".

Leia ofício encaminhado ao Ministério Público

 Foto: Estadão

 

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