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Suíça revela que Robson Marinho recebeu US$ 950 mil de acusado de pagar propina no caso Alstom

Por Mateus Coutinho
Atualização:

Sabino Indelicato, acusado de intermediar pagamento de propinas da Alstom a agentes públicos no Brasil, depositou quantia em conta de conselheiro no exterior, segundo acórdão de Tribunal suíço

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Fausto Macedo

O Tribunal Penal de Bellinzona, na Suíça, enviou ao Ministério Público de São Paulo um acórdão de 28 páginas no qual relata que o empresário Sabino Indelicato depositou US$ 950 mil na conta do conselheiro Robson Marinho, do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Ex-chefe da Casa Civil do governo Mario Covas, Marinho é suspeito de ter recebido propinas ( "vantagens ilícitas", na definição do Ministério Público Paulista) no caso Alstom - esquema de corrupção no setor de energia do governo de São Paulo em 1998.

A sentença do Tribunal Penal suíço impôs o mais pesado revés ao conselheiro do TCE de São Paulo. Marinho, em nota divulgada em fevereiro, afirmou que jamais cometeu qualquer ato ilícito.

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Mas a decisão da Corte suíça mostra as relações próximas dele com Indelicato, acusado deser intermediário da Alstom para pagamentos de propinas a agentes públicos do Brasil e já denunciado criminalmente pela Procuradoria da República em São Paulo no caso Alstom.

 

Conselheiro recebeu dinheiro de acusado de intermediar propina, diz Corte suíça. Foto: Evelson de Freitas/Estadão

O acórdão se refere a decisão da corte suíça que rejeitou recurso de Indelicato - o empresário queria evitar que a Suíça enviasse para o Brasil documentos relativos à sua movimentação bancária naquele país. Indelicato mantém conta na mesma instituição financeira onde Marinho depositou um total de US$ 1,1 milhão. Desse total, segundo os investigadores suíços, US$ 950 mil foram repassados por Indelicato para o conselheiro.

A decisão destaca ainda que em 1998 Marinho foi à França para assistir à Copa do Mundo de futebol às custas da Alstom. O conselheiro, na ocasião, aproveitou para visitar as empresas da multinacional francesa.

Identificação. O acórdão identifica os investigados por letras. No caso de Marinho, os suíços o identificam pela letra "I". Indelicato e sua mulher, Luci Lopes Indelicato, são identificados pelas letras "A" e "B", respectivamente.Trata-se de um método usual na Suíça para preservar a identidade dos acusados. Mas o acórdão descreve funções e atividades dos investigados que levam à certeza dos promotores e procuradores brasileiros sobre a participação de Marinho.

No caso da letra "I", os suíços destacam no documento " sua qualidade de magistrado junto ao Tribunal de Contas "- referência feita na página 24 do acórdão.

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O criminalista Celso Vilardi, que defende Marinho, já tem sua estratégia pronta. Ele vai pedir à Justiça que liminarmente impeça a investigação da promotoria. "As provas enviadas pela Suíça são ilícitas porque decorrentes do caso Holenweger, declarado nula pelo mesmo Tribunal de Bellinzona", adverte Vilardi, em referência ao banqueiro Oskar Holenweger, alvo das autoridades suíças.

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"Do acórdão enviado para as autoridades brasileiras consta claramente que todos os documentos do chamado caso Alstom, que supostamente envolvem Marinho, foram originados em investigação anulada pelo tribunal suíço. O caso Alstom é incontroversamente derivado da prova nula. No Brasil não existe possibilidade de se utilizar esse tipo de documento derivado de provas ilícitas." A advogada Dora Cavalcanti, que defende Indelicato, afirma que a legislação brasileira diz "expressamente que prova ilícita tem de ser desentranhada dos autos".

Decisão histórica. Para os promotores de Justiça e procuradores da República que investigam o ex-chefe da Casa Civil de Covas, a decisão do Tribunal de Bellinzona é histórica por que abre caminho para todas as investigações de interesse do Brasil sobre atos de improbidade praticados por políticos.

Os promotores de Justiça do Ministério Público de São Paulo aguardam agora o envio pela Suíça de todos os extratos bancários da conta que Marinho mantém em Genebra. O conselheiro tem US$ 1,1 mi bloqueados por decisão judicial daquele país. Os documentos bancários saíram da Suíça no último dia 2. A previsão é de que cheguem às mãos dos promotores em cerca de 10 a 15 dias.

Os promotores e também procuradores da República que investigam Marinho por enriquecimento ilícito, acreditam que ele vai renunciar ao cargo de conselheiro do TCE-SP.

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VEJA A ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL SUÍÇO

 

Confira a tradução das páginas 24 e 25 do documento, que fazem referências ao conselheiro Robson Marinho. O Tribunal Penal da Suíça identifica marinho pela letra "I". Sabino Indelicato e sua mulher, Luci Lopes, são identificados como casal "A" e "B"

Desprende-se dos fatos apresentados amparando as buscas de autoridades brasileiras que suspeitam que uma ou várias pessoas pagaram, e respectivamente receberam, subornos envolvendo a conclusão de um contrato "C", concluído em outubro de 1988 - e não em 1983 ou em 1990, como os apelantes gostam de repetir - entre as empresas Alstom, E. e uma empresa estatal brasileira L. (carta rogatória de 10/08/09, página 165 e de 09/04/2010, página 32). Empresas do grupo Alstom e E teriam pago a um intermediário, a empresa F - controlada pela Alstom - comissões que chegaram a quase 18 milhões de francos franceses relativas conclusão do contrato antes citado. Empresas ligadas à Alstom e à empresa E teriam, no mesmo contexto, usado outras vias para pagar comissões suplementares. Assim, fundaram as empresas G. e H., que em seguida passaram a enviar as faturas para a Alstom e E, envolvendo contratos de assessoria inexistentes. Os montantes pagos às duas primeiras empresas antes citadas deviam em seguida ser divididos entre diferentes contas, uma delas de F. Desprende-se aliás das cartas rogatórias que o casal A. e B. é proprietário de uma empresa M. (Conforme anexo 52 da carta rogatória de 10/08/09) que teria recebido da Alstom cerca de US$ 2 milhões (ou seja, 21% dos seus haveres), aparentemente sem uma contrapartida (Carta rogatória de 16/07/2010, p. 84) com base em faturas fictícias (Carta rogatória de 10.08.09, pág. 177). Ora, está provado que a conta dos apelantes - cuja documentação deve hoje ser entregue às autoridades requerentes - recebeu em 1998 diferentes montantes de dinheiro de F, diretamente ou por intermediação de uma sociedade N. Os apelantes por outro lado realizaram diversos pagamentos num montante de US$ 950.000, em março de 1998 a favor de I. de quem A. era próximo. Ora, as autoridades requerentes suspeitam que I, como juiz do Tribunal de Contas, foi favorável ao contrato citado acima, concluído em 1998. Aliás I. admitiu ter viajado naquele mesmo ano para a França para a Copa do Mundo de Futebol a convite da Alstom e ter visitado as empresas do grupo na Europa (Carta Rogatória de 10/08/2009, anexo 51). Os elementos do processo atestam igualmente o fato de que sua posição no Tribunal de Contas o levou a aprovar contratos como aquele relacionado ao presente caso (carta rogatória de 10/08/09 anexo 18).

O fato de o documento fornecido pelas autoridades requerentes para demonstrar o envolvimento de I. não se referir exatamente ao Contrato "C" de 1998, mas a uma extensão de garantia a ele relativa (Pasta MPC rubrica 1 (parte 1); carta rogatória de 10/08/09, anexo 18) não ajuda de nenhuma maneira os apelantes. De fato, estes diferentes elementos são suficientes no âmbito da jurisprudência constante para fundamentar as suspeitas da implicação dos precitados nas transações relacionadas, sem uma justificativa aparente (Decisão do Tribunal Penal Federal RR.2008.69-72 de 14 de agosto de 2008, considerando 3.3 e referências citadas). A importância das somas questionadas nas transações suspeitas constitui também um elemento importante a ser considerado (decisão do Tribunal Federal 1A. 188/2005 de 24 de outubro de 2005, considerando 2.4; decisão do Tribunal Penal Federal RR.2008.11 de 3 de julho de 2008, considerando 4.5 e referências citadas). Concluindo, os fatos expostos nas diferentes cartas rogatórias e relatados em parte no considerando precedente, seriam considerados - se transpostos para o direito suíço - corrupção ativa de agentes público nos termos do artigo 322 do Código Penal. O fato de a autoridade requerente ter se baseado em informações espontâneas fornecidas pelas autoridades suíças, em si não daria ensejo a uma consequência negativa. De fato, a Suíça realizou suas próprias investigações, como pesquisas, confisco de documentos ou audição de testemunhas. Tais medidas forneceram elementos suficientes para reforçar as suspeitas de que os pagamentos realizados não corresponderam a nenhuma atividade real. 6.4 - Segue-se que não só o conteúdo dos fatos contidos nas cartas rogatórias é suficiente, mas também a condição da dupla incriminação está preenchida neste caso particular e o conteúdo das demandas brasileiras satisfaz as exigência do TEJBré. As alegações dos queixosos são, consequentemente, infundadas. E também não é necessário examinar se a exposição dos fatos nas solicitações feitas comporta também os elementos constitutivos de outras infrações penais segundo o direito suíço. Na verdade, a reunião dos elementos constitutivos de uma única infração é suficiente para a outorga da assistência legal. (ATF 125 II 569 considerando 6; decisão do Tribunal Federal 1C_138/2007 de 17 de julho de 2007, considerandos 2.3.2; decisão do Tribunal Penal Federal RR. 2007.118 de 30 de outubro de 2007, considerando 5.2) 7. - Em uma última alegação, os apelantes afirmam que as cartas rogatórias aparentam ser uma busca indeterminada de meios de prova. 7.1 A questão de saber se, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, as informações solicitadas são necessárias ou simplesmente úteis ao procedimento penal é deixada, em princípio, para apreciação das autoridades processuais do Estado requerente. Como o Estado ao qual foi solicitada ajuda não dispõe, no geral, de meios que lhe permitam se pronunciar sobre a oportunidade do oferecimento das provas obtidas na instrução feita no exterior, ele não poderia substituir a avaliação dos magistrados encarregados de instruir o processo pela sua própria.

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