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Comer banana faz bem, mas é pouco

por Tiago Cintra Essado*

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Por Mateus Coutinho
Atualização:

Dois recentes episódios no cenário esportivo, onde os negros têm um elogiável desempenho, eclodiram no mundo o debate sobre o racismo.

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Na Europa, Daniel Alves, em jogo pelo Barcelona, após ser insultado com o arremesso de uma banana, não pestanejou. Em gesto exemplar, comeu a fruta, dando de ombros ao agressor. Nos EUA, o dono dos Los Angeles Clippers, equipe da NBA, foi flagrado em comentários racistas e, por isso, expulso da liga norte-americana de basquete e multado em US$ 2,5 milhões.

Num caso, o silêncio foi a resposta pedagógica, com a lógica da não violência. No outro, a consequência enérgica foi importante para deixar claro que não se tolera o racismo, sobretudo por aqueles que ostentam posição de comando e que, em razão disso, devem dar o exemplo.

Além das reações publicitárias havidas após a atitude de Daniel Alves, como a campanha "somos todos macacos" - que ressalta o valor da igualdade entre os homens - a hora é boa para aprofundar a discussão na sociedade brasileira.

Aqui, o direito repudia o racismo, tratando-o como conduta criminosa. Mas isso é insuficiente para a resolução do problema, cujas raízes remontam à falta de educação, na perspectiva mais ampla possível.

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No âmbito familiar, por vezes, o racismo é incentivado. Não é raro pais fazerem piadas sobre negros, inserindo-os num contexto de inferioridade humana. Também é comum a discriminação derivada de orientação sexual. Há resistência em admitir relações homoafetivas de filhos ou parentes. O preconceito, assim, está disseminado em boa parte dos lares.

Não se vê a todo instante atirarem-se bananas em estádios e ginásios brasileiros, todavia é fácil notar xingamentos preconceituosos, seja pela presença de atletas negros, seja pela de atletas gays. Há muitos Richardsons e Michaels sofrendo as agruras das agressões, ora ostensivas, ora sutis.

Episódio envolvendo Daniel Alves teve grande repercussão Foto: Reprodução

É recente na sociedade brasileira o protagonismo de negros, que permanece pontual. As telenovelas tentam aos poucos dar-lhes papeis de destaque, em substituição às posições subalternas, o que reflete os valores e as preferências sociais.

Até que ponto a indignação com a remessa dos haitianos do Acre para São Paulo revela, em geral, sentimento humanitário? Não há aí também uma rejeição à presença do outro, estranho a nós e, nesse caso, não só por conta da nacionalidade, mas também e, em especial, por conta da cor? Se os refugiados fossem franceses ou alemães a reação seria a mesma?

Constata-se que o problema do preconceito é bem mais profundo. Exige-se uma ampla conscientização que nos leve a entender o outro como irmão. As campanhas publicitárias são importantes, mas o tema deve estar na pauta dos principais núcleos de formação do caráter do cidadão: a família, a escola, a universidade.

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Além de medidas fundadas na responsabilização dos atos preconceituosos, impõe-se o desenvolvimento de políticas públicas preventivas de natureza educacional, que incutam na criança, no adolescente e no homem o dever de respeitar o próximo como ele é, independentemente da origem, cor, condição física e orientação sexual. Cada pai e cada mãe precisam compreender que educam o filho não para si, mas para o mundo.

Comer a banana foi importante, mas é preciso evoluir para que a sensação de que somos todos irmãos seja algo naturalmente praticado, independentemente das diferenças. Para isso, há muito a ser feito.

*Tiago Cintra Essado, 37, é promotor de Justiça do Estado de São Paulo e doutorando em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). 

 

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