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Acordo de leniência ou letra morta

por Luís Carlos Dias Torres*

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Por Redação
Atualização:

A Lei 12.846/13, também conhecida como Lei Anticorrupção Brasileira, foi amplamente anunciada pelo governo como um marco no combate à corrupção no Brasil. Dentre suas diversas peculiaridades, uma em especial motivou o presente artigo: o acordo de leniência.

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A lei prevê que a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis por eventuais violações à lei, desde que o referido acordo resulte na identificação dos demais envolvidos na infração e na célere obtenção de informações e documentos.

Para que o acordo possa ser celebrado, é exigido ainda que a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo.

Ainda nos termos da nova legislação, o resultado da celebração do acordo seria a redução do valor da multa aplicável em até 2/3 e a isenção das penalidades de publicação extraordinária da decisão condenatória e de proibição de receber incentivos do governo pelo prazo de um a cinco anos. E nada além disso...

Pressupõe-se que uma lei que estabelece a existência de um acordo de leniência, disciplinará também a repercussão penal da celebração do referido acordo. É o caso, por exemplo, da Lei n° 12.529/11, também conhecida como Lei do CADE. A celebração do acordo naquela seara impede o oferecimento de denúncia em face do beneficiário da leniência e, cumpridos os requisitos, extingue automaticamente a possibilidade das pessoas físicas serem punidas por eventuais crimes contra a ordem econômica e/ou a eles correlatos, inclusive, formação de quadrilha.

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Dentro deste contexto, fato é que a empresa acabará por entregar todas as provas que poderão ser utilizadas pelo Ministério Público para acusação de seus próprios empregados ou representantes legais. Obviamente, para que as empresas se vejam incentivadas a se apresentar espontaneamente às autoridades, é necessário que exista alguma forma de proteção aos envolvidos e não uma exposição ainda maior em virtude da colaboração.

Porém, há luz no fim do túnel.

Recentemente foi promulgada a Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013, que veio definir o que é uma Organização Criminosa, tipificar esse crime e trazer instrumentos de investigação. Dentre esses mecanismos investigativos, a Lei 12.850 criou a figura da colaboração premiada e a disciplinou.

A colaboração premiada é a versão atualizada da popularmente conhecida delação premiada. Aparentemente, os problemas antigos da delação premiada foram resolvidos com a criação da colaboração premiada.

Neste sentido, já de início é de se destacar que o juiz poderá conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

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Inclusive, o Ministério Público pode até mesmo deixar de oferecer a denúncia contra o colaborador se não for o líder da organização criminosa e for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.

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Outras importantes inovações que a Lei 12.850 trouxe e que tornam a Colaboração Premiada bastante atrativa são: obrigatoriedade de homologação judicial do acordo celebrado com o Ministério Público ou com a Polícia, garantindo assim ao colaborador que o seu acordo sofrerá os efeitos almejados na esfera judicia; a possibilidade de o perdão judicial ser aplicado ainda na fase de inquérito policial, ou seja, mesmo antes de haver uma ação penal, o juiz pode aplicar o perdão judicial, extinguindo a punibilidade do colaborador; a obrigatoriedade da participação do advogado em todas as etapas da negociação do acordo de colaboração premiada, garantindo assim a ampla defesa do colaborador durante a negociação do acordo; a obrigatoriedade do colaborador de dizer a verdade, abrindo mão de seu direito ao silêncio e a preservação da identidade e da imagem do colaborador após o início do processo criminal, momento a partir do qual os termos do acordo de Colaboração Premiada deixam de ser sigilosos.

Como se verifica, os requisitos para que a colaboração premiada surta seus efeitos são muito próximos dos requisitos para a celebração de acordo de leniência. O que permite afirmar ser plenamente possível a harmonização desses dois institutos.

Portanto, ainda há esperança para o Acordo de Leniência previsto na Lei 12.846. Para os casos em que se constate a atuação de uma Organização Criminosa - e a experiência permite afirmar que não serão poucos - basta que as autoridades civis e administrativas envolvidas no caso trabalhem em conjunto com as autoridades criminais, firmando em paralelo um acordo de leniência, para surtir os efeitos preconizados pela Lei 12.846, e um acordo de Colaboração Premiada, para proteger os interesses do colaborador na esfera penal.

É fato que atribuir a uma empresa a classificação de organização criminosa ou aos seus dirigentes a qualidade de membros de uma organização criminosa seria também algo bastante problemático.

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De todo modo, é igualmente verdade que não se vislumbra muitas alternativas. Ou se usa o instituto da Colaboração Premiada da Lei de Organização Criminosa, considerando todas as suas potenciais implicações, ou o Acordo de Leniência da Lei Anticorrupção morrerá antes de nascer.

*Advogado do escritório Torres/Falavigna Advogados

Artigo publicado originalmente no site da LEC (Legal Ethics Compliance), primeira empresa brasileira focada na divulgação e promoção do conhecimento em Compliance.

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