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Todos os caminhos levam a Berlim

Partido da Baviera quer "motivar" estrangeiros a falarem alemão dentro de casa

 ©DPA

Por Fátima Lacerda
Atualização:

Da perspectiva prussiana, a região da Baviera, mais que isso, seu partido e seus políticos são algo culturalmente tão distantes (a recíproca é verdadeira) que quando se fala no CSU, Partido da União Social Cristã, falamos de extraterrestres.

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Logo no início do meu período na Alemanha, em viagem de volta da Itália, tive que baldear na estação ferroviária de Munique. Totalmente perdida, procurando a plataforma da qual embarcaria para Berlim, vi um funcionário da ferrovia passar por mim e indaguei sedenta por informação: "De que plataforma sai o trem pra Berlim?". Com voz resoluta, um sotaque infame e literalmente em passant, ele respondeu: "Não sei. Berlim é no estrangeiro!"

A ladainha com a língua alemã

Por ser uma das regiões mais ricas da Alemanha, a região da Baviera tem o maior percentual de integração de estrangeiros .Comparando com o caos da política de refugiados e imigrantes (que somam ao grupo de estrangeiros) que atualmente acomete Berlim, a região da Baviera poderia se dar por satisfeita, não fosse a vaidade incontida do diretor do partido, Horst Seehofer, apelidado "O rei da Baviera", "O nosso cara em Berlim".

Nesta semana, no preâmbulo da "convenção nacional" do partido, foram divulgados para a imprensa os pontos de ordem a serem tratados nos dois dias de convenção na cidade de Nuremberg. "Estrangeiros devem ser obrigados a falarem alemão também dentro de casa". Não demorou muito e nas redes sociais,  sobre o #hastag YallaCSU (em árabe, bora CSU!), se multiplicavam comentários de chacota sobre o partido que, durante tantas décadas de existência, ainda não encontrou um discurso ético e que seja caracterizado pela contemporaneidade da situação resultante, por exemplo, da Guerra da Síria, do terror praticado pelo EI e das centenas que chegam todos os dias na costa mediterrânea de Lampedusa. A contemporaneidade, e muito menos a complexidade da situação que se mostra na Alemanha atualmente, ainda não chegou na Baviera. Não interessa que chegue.

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"Quem quiser viver aqui de forma duradoura deve falar alemão tanto nos espaços públicos como em casa", instigava a frase polêmica.

A imprensa alemã causou uma avalanche midiática onde só regia esse tema e a polêmica intrínseca dele, com o subtexto: Os Bávaros são mesmo uns roceiros que não entenderam nada.

Visita ilustre de "Angelika", ou "Angelia"?

CDU e CSU são partidos irmãos e isso desde sempre. É de praxe um chefe de um partido visitar a convenção do outro. Porém, neste ano, Seehofer não compareceu à convenção do CDU no início da semana na cidade de Colônia . A vaidade e o medo de ser ser "degradado ao papel de príncipe consorte" no terreno da chanceler, foi provalmente o motivo real de sua ausência.

Merkel não nega fogo

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Na manhã de sexta-feira (12), com pompa, circunstância e uma música de ensurdecer, ela foi anunciada pela vice do partido CSU, da seguinte forma: "A chefe do partido da União Social Cristã (CSU), Dr. ANGELIKA Merkel!!!"

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Explicando

Um partido que se mostra "preocupado com a língua alemã", como formulou um artigo manchete do portal Spiegel Online, não conhece muito bem aquela que há 14 anos ocupa o cargo de chefe do partido CDU. O próprio Seehofer, que acompanhou a chanceler em sua entrada triunfal pelo salão, não fez melhor: "Querida Angelia!!!!".

Mestre no exercício de fazer vista grossa, Merkel fez não notar o erro linguístico fatal e fez a tarefa para qual foi a Nurembergue: "Estou muito feliz de estar aqui". Elogiou o trabalho com o CUS no atual governo e falou o que os bavários queriam ouvir: sobre o projeto de implementação de pedágio para estrangeiros nas estradas regionais da Baviera. O projeto que em alemão leva o nome de "Maut" foi ideia de Seehofer ainda no período da campanha eleitoral para eleições federais que aconteceram em setembro de 2013.

O poder da Baviera

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Num dos dois debates entre os dois candidatos a chanceler em setembro de 2013, perguntada pelo âncora sobre a absurdidade do projeto da cobrança de pedágio para carros com placa estrangeira e se isso seria compatível com os direitos da UE, Merkel, excepcionalmente, ousou um posicionamento claro: "No meu governo, não haverá pedágio algum".

Um dia depois, numa festa típica da Baviera e regada a muita cerveja, Seehofer com um sorriso maroto, garantiu no microfone: "O projeto de pedágio vai ser realizado".

Depois de uma maratona política, jurídica e infraestrutural, a "Maut" estar prestes à ser sacramentada numa reunião do gabinete, agendada para o próximo dia 17. "O ministros dos transportes tem a minha palavra..." insinuou Merkel e, como seguro morreu de velho, acrescentou "a nao ser que surgam novos aspectos...". Mostrando sua ímpar habilidade estratégica, Merkel deixou "uma portinha aberta" para empurrar o criticado projeto com a barriga para o próximo ano.

Correndo atrás do prejuízo

Depois de dois dias de pauleiras midiáticas, a direção do partido modificou o texto do requerimento a ser votado durante a convenção: "Os estrangeiros devem ser "motivados" (e não obrigados) a falarem alemão em casa.

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Sem pestanejar, o heute show programa de sátira política com uma audiência de 2 milhões de telespectadores e exibido na noite de sexta-feira (12), fez uma paródia. Um "motivador" foi à casa de duas turcas e um turco. Enquanto o homem tenta de toda a forma "motivar", os turcos leem o jornal alemão "Die Zeit" (O Tempo) , corrigem o "motivador", sempre que ele escorrega no dialeto bávaro e até que ele por fim, desiste.

O partido da Baviera e seu "Eei" Seehofer tem mais poder em Berlim do que deveria. Mesmo assim, nunca deixa de escolher um tema polêmico no preâmbulo de convenções nacionais, para a mídia e consequentemente o país, pare tudo para olhar para a escondida Baviera. Para a vaidade de Seehofer, o céu é o limite. Bem menos vale a constituição que prescreve que no artigo número 1: "A dignidade do ser humano é intocável". Não para o CSU, ainda mais quando se trata de pisar nos mais fracos da sociedade.

Mesmo com o texto anterior modificado, o efeito já está nas mídias e sublinha cada vez mais a incapacidade do partido da Baviera em se atualizar. Seehofer continua querendo vender para seus eleitores, a imagem de que a Baviera é um céu em terra, isento de todas e quaisquer mazelas e caso elas venham a aparecer, ele mesmo "da um jeito" de coabí-las seja isso o infame requerer da obrigatoriedade do uso do idioma alemão dentro das próprias quatro paredes

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