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Todos os caminhos levam a Berlim

Fim de novela: Guardiola deixa o FC Bayern no final da temporada 2015/2016

©DPA

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Por Fátima Lacerda
Atualização:

A novela em volta da permanência (ou não) de Pep Guardiola no FC Bayern teve o próprio catalão como protagonista. O suspense foi intencional e vinha há 5 meses tanto quanto extrapolando a paciência dos que vestem a camisa vermelho e branca quanto deixando a diretoria do clube na maior saia justa. Até mesmo Franz Beckenbauer, atualmente sobre holofotes midiáticos negativos, mandou um recadinho pela mídia para o clube do qual é presidente de honra: "O Bayern tem que resolver rapidamente a situação do Pep". O catalão, apelidado pela torcida e pelos analistas esportivos de "Autocrata" não se deixou impressionar com o recadinho do Kaiser.

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Em cada coletiva de imprensa antes de algum jogo, fosse ele até mesmo contra a equipe do Hoffenheim que vive um drama muito similar como recentemente vivido pelo cruzmaltino de São Januário, o de cair para a segunda divisão, a imprensa não perdia a chance de arrancar algum sinal, alguma dica do catalão sobre o seu destino depois do fim da temporada 2015/16. Nenhuma tentativa obteve sucesso. Frases evasivas do tipo "Eu me sinto muito honrado de estar aqui", "Essa equipe é incrível" só serviam para instigar ainda mais especulações sobre os diferentes cenários possíveis em torno de Guardiola. 

Mesmo que analistas políticos do programa domingueiro Doppelpass (Passe duplo) no canal Sport 1 afirmem que o atual presidente Karl-Heinz Rumnenigge já estaria sabendo há semanas sobre os planos do técnico, a diretoria do clube de Munique só confirmou sua saída no início da manhã deste domingo (20), horário local. Todos os portais da mídia alemã tem essa pauta como manchete. O tema dos refugiados e a catastrófica situação de infraestrutura e o fracasso do senado de Berlim em realizar um empreendimento de crise que oferece aos refugiados pelo menos um tratamento digno de higiene e acesso à assistência médica, se tornam obsoletas frente "à notícia das notícias", mesmo porque, tudo que concerne ao Bayern goza de relevância nacional.

Tendo sido submetido à saia justa durante semanas, pelo menos na hora da decisão, a diretoria fez o serviço completo e já anunciou o sucessor. Do espanhol que bateu pé pela contratação do espanhol Javier Martínez Aginaga do brasileiro Thiago Costa, a partir de 01 de Julho de 2016 o Bayern será conduzido por Carlo Ancelotti, há poucos meses ele atuava no Real Madrid.

Vale lembrar que é a segunda vez na história do clube bávaro que um italiano irá comandar o time. O primeiro treinador estrangeiro no cosmo bávaro foi Giovanni Trapattoni. De temperamento extremante explosivo, polêmico e, no meio do caminho, sem crédito com a equipe, fato esse agravado pela falta de domínio da língua alemã, ele concedeu a coletiva das coletivas, que além de ter mostrado um técnico acuado, também entrou para a história futebolística do país, criou expressões que se firmaram e se mantém até hoje no uso popular da língua.

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Na roda de debates do programa Doppelpass no início da manhã de hoje, analistas eram unânimes na percepção de que, ao contrário de Guardiola, que "permanentemente exige da equipe", Ancelotti seria "um mediador", "um conciliador". Aí que mora o perigo. A história do clube bávaro mostra que só vale o sucesso e quem vai jogar no clube é porque também é obcecado por vitórias e títulos. O jornal Süddeutsche Zeitung, de Munique, colocou o dedo na ferida quando fez um perfil dos técnicos na história do clube quando, num artigo, titulou: "Treinadores para os quais só o primeiro lugar serve".

http://www.sueddeutsche.de/sport/fc-bayern-trainer-fuer-die-nur-platz-eins-zaehlt-1.1575122

Um caso de precedência

Depois de ter presenteado os alemães com "O conto de fadas do verão de 2006", com o terceiro lugar na Copa sediada pela Alemanha, Jürgen Klingsman foi contratado pelo FC Bayern. Deixou a ensolarada Califórnia e mudou com a família para a pacata e elitista capital bávara. Depois daquele conto de fadas (que da perspectiva de hoje se tornou um filme policial devido ás acusações de sonegação de impostos e corrupção) a expectativa era imensa em torno do cara bem humorado da Califórnia. Acompanhado pelos assistentes Martin Vasquez e Nick Theslof, Klingsmann chegava com tudo e respaldado pelo sucesso em 2006. Entretanto, os resultados foram, sucessivamente, deixando a desejar. Moral da história: 10 meses depois da turbinada midiática por ocasião da entrada de Klinsmann, ele foi demitido pela diretoria do clube depois da derrota de 0 a 1 para o Schalke 04, clube que em sua história, apresenta instigantes paralelos com o cruzmaltino. Uma semana antes do jogo com o Schalke 04, Klinsmann participou, em chamada ao vivo, do programa Doppelpass. Perguntado pelo apresentador o porque da ausência dos resultados positivos, ele respondeu: "Nós tentamos fazer o FC Bayern uma melhor equipe a cada dia". Depois de estar OFF, o memorável ex-treinador e comentarista Udo Lattek resumiu numa frase todo o equivoco de percepção que acabara de se desvendar naquela chamada ao vivo. Sem papas na língua e credibilidade inquestionável, mandava um recado para a diretoria do clube: "O FC Bayern não é uma escola de educação física!", ou seja, se não tem resultados que se contabilizam com 3 pontos em cada partida, isso não é o FC Bayern e alguma coisa vai de muito errado com o clube. Uma semana depois, Klinsmann perdia para o Schalke, o que fez de sua demissão algo ainda mais humilhante. Nada é mais indigno do que ser demitido depois de uma derrota para o Schalke.

A filosofia de vencer, vencer, vencer continua sendo a espinha do clube, hoje nas mãos de Karl-Heinz Rummenigge e do diretor esportivo Mathias Sammer ( Ex-técnico do Borussia Dortmund).

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Um técnico estrangeiro

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Pode dar certo um técnico estrangeiro que não fala a língua de Schiller & Goethe? "Ele precisa se fazer entender", disse um dos convidados do programa. Olaf Thon, ex-FC Bayern e que terminou a sua carreira amargurado no Schalke 04 defendeu que "basta falar inglês", como se não conhecesse a hermeticidade da sociedade bávara e da lei da natureza que o FC Bayern é mais do que um time, ele representa o objeto de prestígio de toda uma região, economicamente muito robusta, para dizer ao mínimo, e que muitas vezes se comporta como se fosse de âmbito geopolítico, fora da Alemanha. Por isso, sim, é imprescindível o domínio da língua alemã. Caso as vitórias venham chegando, essa necessidade pode se relativizar com o tempo, mas a partir do momento em que o recordista de títulos da Bundesliga tiver um empate aqui ou ali, vai começar a discussão se o problema não seria o idioma e se não for o idioma, então a qualidade do gramado ou qualquer outra coisa.

Antes da primeira coletiva como técnico do FC Bayern, Guardiola teve muitas aulas de alemão e surpreendeu com o domínio logo no primeiro contato com os jornalistas que já o deram um bônus extra pelo "alemão de responsa" que ele na ocasião apresentara. Chegou humilde e solícito. Porém, um ano depois, o domínio da língua alemã foi minguando e o tom perante à imprensa foi ficando cada vez mais arrogante e arredio.

Todo o desenrolar da dramaturgia em torno da saída de Guardiola do FC Bayern exibe o grau de astúcia do catalão. O tempo todo ele foi, como diz um ditado popular nas terras daqui, "cozinhando sua sopa sozinho", ali só na maciota, tecendo as etapas. Esperou o início das férias de inverno para divulgar, apostando que devido às festas de fim de ano essa pauta vai logo cair em esquecimento. O momento de divulgação foi perfeito. Além disso, o espertalhão já tem a porta de saída aberta, caso não consiga o objetivo mór, o objetivo para o qual foi contratado: a conquista do Triplo. Como o fato de que o Bayern vai ser o campeão da Bundesliga é como se fosse uma verdade absoluta, digo, incontestável, o foco agora é no torneio de prestígio: na LC. No time tem uma rapaziada nova que está seca para conquistar o título e angariar visibilidade em jogos contra o Real Madrid e o FC Barcelona de Neymar, Messi e Suárez. Entre esses jogadores com gana para se firmar no olimpo futebolístico usando a camisa vermelho e branca estão o brasuca Thiago Costa, como outros jovens jogadores que nunca disputarão um campeonato com esse grau de prestígio.

Para evitar um linchamento midiático e a humilhação de uma demissão em caso de precoce eliminação da LC, Guardiola já antecipou sua jogada de xeque-mate.

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O que conta para o FC Bayern não é o campeonato alemão, ele é obrigatório e uma consequência natural, assim a opinião unânime, até mesmo dos adversário, como o Borussia Dortmund. O que importa é ganhar a Liga dos Campeões. Com ela você ganha prestígio na Alemanha e Ancelotti já coleciona 3 títulos desse campeonato: 2002/2006/2013-14.

Como agravante, Guardiola deixou muita "terra queimada" por onde passou. Mandou embora Sebastian Schweinsteiger, demitiu, ainda no vestiário, depois do jogo pelas quartas de final da CL perdido para o FC Porto (1:3), Müller-Wohlfahrt, ex-preparador físico há quase 40 anos atuando no clube, por responsabilizá-lo diretamente pela "lentidão na recuperação do estado de saúde dos jogadores" e indiretamente pela eliminação do torneio. No curto período de 3 anos é muito terreno devastado e muito problema e ainda o pecado de não ter mostrado o serviço para que veio: conquistar Liga dos Campeões.

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