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Todos os caminhos levam a Berlim

Em turnê pela Europa, Criolo arrebata Berlim

 

Por Fátima Lacerda
Atualização:

No fim de semana em que São Paulo comemora o aniversário de 461 anos, seu filho mais famoso e um verdadeiro embaixador cultural está na Europa para o lançamento do novo disco "Convoque seu Buda".

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Na noite de sábado (24), foi a vez de Berlim. No período de somente um ano, já é a terceira vinda do artista à capital alemã.

O clube noturno Gretchen (que não tem qualquer associação com a cantora brasileira radicada em Paris) é um must para quem visita a capital.

A vida noturna em Berlim inicia a partir da meia-noite. No show de ontem, o clube fez uma exceção. O show de Criolo foi agendado para as 20:30 horário local. Já que nas altas horas, haveria um outro evento.

Existem inúmeras razões para euforia que se espalha pelos amantes de música quando Criolo vem a Berlim. Uma delas, apesar de bem mundana, é legítima. Para ir ao Gretchen, eu não preciso nem pegar a bicicleta. O clube é no quarteirão ao lado do meu. Vou a pé. Certamente em nenhum outro lugar do mundo eu teria tal privilégio.

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Na porta, uma fila enorme. Lá dentro, uma outra para a indumentária que se faz obrigatória no inverno. "Por favor tire a roupa" (Bitte ausziehen) informa um aviso iluminado em lâmpada fluorescente.

Dentro, um local cheio. Brasucas. Os já conhecidos e os não. Uma euforia antecipada pairando no ar toma todo o lugar. Paul, o técnico de som, acerta os últimos retoques no palco. Posiciona as pequenas luzes no chão iluminando a set list. Uma fita adesiva aqui, outra ali e microfones alinhados em uma caixa.

Vejo Alessandra, uma inúmeras mulheres na fila do gargarejo. Um brasuca com a camisa de um clube de regatas e o outro com a camisa do São Paulo. Alguém trouxe uma faixa branca em homenagem ao Rapper Mauro Mateus dos Santos, o SABOTAGE, morto com 4 tiros pelas costas em 24 de janeiro de 2003. Ao receber a faixa, Criolo a estirou na parede do palco e passou a fazer parte do cenário durante todo o show.

Minutos antes: Juntamente com os músicos e a empresária Alesssandra, Criolo desce as escadas vindo do camarim. Enquanto os músicos fazem fileira para entrar no palco, ele fica uma pouco mais escondido, mais ainda bem visível para que está ao lado do técnico de som. Cumprimenta amigos de forma terna, bate com a mão no lado do coração. Sorridente, tira fotos com fãs que se aproximam.

Quando o artista paulistano mais famoso no exterior entra no palco e o faz sempre com muito amor, a reciproca é avassaladora. Alemães, brasucas e representantes de outros tantos backgrounds culturais estavam ali, tomados desde o início. "Eu sou Criolo, de São Paulo, Brasil!," são as primeiras palavras antes de iniciar com a faixa título do novo disco: "Convoque seu Buda".

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"Todas as boas coisas são três" diz um ditado popular nas terras daqui. A terceira apresentação em Berlim trouxe um Criolo mais maduro, mais tranquilo o que não afeta em nada os tons de rock pauleira ou de hip hop agressivo e em tom de alerta com textos de crítica social acirrada . Os arranjos deste disco estão mais sofisticados e o leque estilístico ainda mais surpreendente.

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Marcelo Cabral no baixo, Gui Held (com sobrenome de origem alemã) na guitarra, Daniel Ganjaman nos teclados e direção musical e Beto Gibbs que, desafiando o feltro rasgado da batera, mostrou porque toca com quem toca. Depois do primeiro Bis, a banda saiu do palco. Os urros e gritos de "Parou por que? Por que parou?" se recusavam a cessar durante mais de 10 minutos.  Ao vislumbrar Gui Held retornando ao palco, a galera surtou. Criolo voltou com camiseta nova (e seca) e para a minha especial alegria, não deixou Berlim sem antes tocar "Bogotá" que levou os berlinenses ao êxtase musical.

Estar no palco para Criolo vai bem mais além de cumprir as regras do business. É interação, comunhão. Existem poucos artistas onde eu já vislumbrei uma celebração de energia no palco que nos remete a um alto grau de espiritualidade, um vislumbrar do divino: Jimmy Page, a dupla americana Patty & Tuck, o mestre B.B. King e, sim, o paulista Criolo. A simbiose arte-artista é apaixonante.

A turnê

Para a imprensa francesa, Criolo faz "Hip Hop tropicalista". Para a imprensa europeia, o substantivo tropicalismo ajuda ao approach em conseguir dar à essa música, um rótulo estilístico. Nada fácil caracterizar um repertório tão diversificado: Interpretações de clássicos da MPB, Hip Hop com letras de acirrada crítica social, bolero com um texto cheio de pathos, interpretações à flor da pele ou uma reflexão profunda empacotada por um ritmo de quem está pra sair de viagem, em busca de novas descobertas e aventuras como em "Bogotá".

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Depois do show em Berlim, o quarteto tem 3 dias de folga. As próximas cidades da turnê são:

27.01. Amsterdam

28.01. Gent/Bélgica

29.01. Paris

30.01. Lisboa

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Depois do show, Criolo falou exclusivo com o Blog:

Desconstruindo toda o estresse naturalmente constante num camarim e toda a corrida contra o relógio e contra as desculpas inventadas, Criolo me cumprimentou gentilmente, se lembrou da entrevista que fizemos em junho do ano passado quando participou do Festival de Poesia na Academia de Artes. Depois de alguns minutos de gentileza e de carinho que ele parece ter com todos a sua volta, iniciamos a entrevista de janela temporária de 10 minutos.

Já faz tempo que eu simpatizava com o burburinho de um camarim depois de shows e com todo o reboliço que tem por ali. O entra e sai. O barrar de um e o deixar entrar de outro. Mas para entrevistar Criolo, tudo isso vale a pena. Em conversa rápida com 4 mulheres alemãs na faixa dos 30 (elas aguardavam em frente à porta do camarim) vi seus olhos brilhando ao falar do artista. "Um homem que vive! Ele vive da cabeça aos pés", dizia uma delas que imediatamente obteve a aprovação das outras expressado com o balançar frenético da cabeça.

Criolo é um artista raro: De diversidade musical ímpar. No palco, sempre autêntico, vibrante. No contato pessoal, um homem simples, de pé no chão, cada vez mais consciente do seu papel, mas que ainda não perdeu a ternura. Não existe em SP. E muito menos em Berlim. A não ser quando Criolo passa por aqui.

FL: Já é a sua terceira vez em Berlim. Agora você veio pra lançar o disco num momento complicado no continente europeu. Essa turnê pela Europa difere das outras?

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Criolo: Essa turnê está sendo muito especial, muito forte.

FL: Muito forte em que sentido?

Criolo: No sentido de emoção e gerações que se encontram. De jovens de Berlim, de São Paulo ou de todos os lugares do mundo. Poder provocar o encontro é extremamente importante, porque através dele,  que a arte gentilmente nos oferece, isso vai desencadear muitas coisas. Os nossos jovens precisam de espaço para se comunicar, mas de modo real. O encontro que a música oferece, em especial nessa noite, é de extrema importância.

O lugar do show se transformou em pura ebulição. Existe algo de específico de Berlim que você sempre encontra quando vem se apresentar?

A gente fica muito grato quando recebe o convite pra cantar já que existem tantos artistas especiais no mundo. Quando eu recebo o convite para cantar em Berlim já é algo que me enche o coração. Quando ao show de hoje à noite (24) não dá pra de classificar essa noite, a não ser que ela foi histórica! Para a minha vida, a vida da minha família e para as pessoas que moram no meu bairro. Eu posso voltar e contar todas essas vivências. A energia se completa na arte quando a arte se encontra com o outro e eles se completam. E num terceiro momento, poder contar uma história. O calor desse momento e dessa energia se perpetuam nas lembranças boas, de afago, de histórias de vidas. Isso é que queremos carregar em nossa bagagem.

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"Convoque seu Buda" é o disco que está sendo lançado. O que ele significa para a sua carreira?

Esse trabalho é o encontro de muitas energias. O "Nó na orelha", era pra ficar pra mim e para a minha família porque eu não iria mais subir aos palcos. Ele acabou se transformando num álbum. Resultantes desse trabalho, aconteceram muitas coisas que encheram o meu coração de energia e de mais esperança. O álbum é o recorte de alguns momentos. É um recorte de energia. Nós somos um todo.

O fotógrafo, por exemplo. Ele expressa o olhar, o sentimento, o momento, a magia daquele homem com aquela ferramenta. Mas o fotógrafo não é a fotografia apenas. Ele é todo uma energia. Um ser completo. Esse álbum, "Convoque seu Buda" é o Frame de um momento, junto com a vontade de se expressar, com a vontade de agradecer e junto com a vontade de se comunicar, mas sobre tudo ele resume a vontade de deixar algo já que a arte possui uma forca de nos humanizar e de transformar o mundo.

Existem cientistas alemães que afirmam que a música não é uma linguagem universal, como todos pensam. A música constrói uma ponte cultural independente das diferenças étnicas e culturais?

O amor é a linguagem universal e as artes são ferramentas maravilhosas para nos ajudar no processo de expressão?

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Qual o sentimento que você tem quando vem a Berlim?

Gratidão. Sempre gratidão às pessoas dessa cidade e o que elas me proporcionaram.

Depois de uma turnê com passagem por estacões de prestígio com Inglaterra, Escócia, Alemanha, Holanda, França, o que você leva de volta pro Brasil?

Poder contar uma história para os jovens do meu bairro. Pro meu pai, minha mãe, meus irmãos para assim mostrar, que todo o esforço deles para que eu seguisse meu caminho, não foi em vão. A ratificação de que toda a luta feita com dignidade e para não nos deixarmos levar pela violência e pela desigualdade social. Sobretudo para nós, que viemos de bairros pobres. Não foi em vão.

Em junho de 2013 o país saiu às ruas para protestar contra o governo. Não é paradoxo que o mesmo governo alvo de um dos maiores protestos da história do país, tenha sido reeleito?

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Nós somos uma democracia jovem. O que aconteceu em 2013 terá suas consquências e o que está acontecendo agora também.

 

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