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Impressões sobre a vida e seus arredores

Um homem de opinião

Ele não era só aquele furinho no queixo.

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Por Raul Drewnick
Atualização:

"Olha", ele disse, mordendo o pãozinho de queijo, "esse negócio de amor é o tipo de coisa que eu vejo de um jeito diferente."Negócio? Coisa? Não eram termos que eu pudesse julgar adequados para definir o amor. Não sou mais a romântica que fui aos dezoito anos, mas negócio?, mas coisa? Tinha ansiado tanto por tomar café com aquele homem fascinante, esperado tanto para conversar com ele e ver mais de perto seu furinho no queixo, e ele me vinha com uma frase tão desapontadora... Não precisei perguntar qual era, afinal, a visão que ele tinha do amor, com aqueles olhos verdolengos. Ele se antecipou: "Eu não vejo nada de romântico no amor. Não é má vontade minha, entende? É que eu não consigo mesmo. É uma questão de raciocínio. O amor é o que é. Uma parceria, um ajuste de interesses. Como tudo na vida." Fazia um mês que ele estava na empresa, era o novo gerente de custos, e eu senti a tentação de perguntar se era disso que ele falava. Mas ele já estava em outro item da pauta. "Acho o sexo tão importante quanto o amor", ele disse, e meus ouvidos sentiram alguma esperança, porém logo ele fez uma ressalva: "Mas não considero indispensável. Sexo é uma coisa corriqueira." Outra vez a palavra: coisa. Deus, o que eu estava fazendo ainda ali? Ele falou, falou, mas eu já não estava ouvindo. Lembrei de amigas que tinham mencionadosujeitos lindos mas muito tapados. Não generalizemos, pensei, mas desisti de acompanhar o que ele dizia. Quando dei por mim, estávamos os dois em pé, ele me beijando no rosto e agradecendo: "Foi um prazer conversar com você." Imagino que o café tenha sido pago por ele e foi um alívio me afastar daquele furinho no queixo e daquela cara presunçosa. Bem, pode ser que tenha sido exagero meu e que ele não fosse exatamente como eu o vi. Quem oferece um cafezinho a uma mulher e lhe beija o rosto talvez não seja um troglodita, quem vai saber?

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