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A internet no banco dos réus

Quem tem medo de lagartixa?

por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Por Francisco Brito Cruz
Atualização:

Com os smartphones sempre à mão, documentar fatos ou denúncias com fotos ou vídeos é simples. Fazer depoimentos e críticas está cada vez mais fácil na Internet - principalmente através das redes sociais e dos grupos de mensagens. Posso reclamar no Twitter que meu celular está sem sinal e marcar a empresa. Posso divulgar na página do Facebook do site de compras que fizeram uma cobrança indevida no meu cartão de crédito, e todos os outros consumidores podem ver. De um lado, as empresas têm se preocupado com estratégias para lidar com esse tipo de reclamação, e, assim, manter consumidores contentes ou preservar sua imagem. De outro lado, vidas de pessoas podem ser devastadas por denúncias infundadas espalhadas pela rede - o caso linchamento no bairro de Morrinhos, no Guarujá (SP), está aí para provar isto. Quanto mais críticos, mais criticados. Por vezes, as crises vão parar no Judiciário.

Em Jataí (GO), um caso desse tipo colocou em pé de guerra um consumidor e uma marca de água mineral. Alegando ter encontrado uma lagartixa dentro de uma garrafa de água produzida pela empresa, o rapaz moveu uma ação para ser indenizado. O juiz entendeu que ele não conseguiu provar que a lagartixa estava na garrafa desde o lacre, isto é, antes de ele tê-la aberto, e negou seu pedido de indenização (falta de provas). Indignado, o consumidor postou, na Internet, um vídeo que teria feito para documentar o fato, mostrando imagens da suposta lagartixa dentro da garrafa de água.

 Foto: Estadão

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Foi a vez de a empresa processar o rapaz. Preocupada com sua imagem, ela pediu, em juízo, que o vídeo fosse removido, e que buscadores de Internet (como o Google e o Yahoo) não mostrassem mais alguns resultados que mencionavam o episódio e o nome da empresa. O juiz aceitou preliminarmente os pedidos da empresa e pediu a suspensão do vídeo e dos links dos mecanismos de busca. Na sua decisão, pesou o fato de que o consumidor não tinha conseguido provar que a lagartixa estava dentro da garrafa desde o seu processo de engarrafamento e, portanto, não deveria poder continuar divulgando o vídeo.

Dois pontos chamam a atenção na decisão. O primeiro diz respeito à liberdade para se veicular críticas e reclamações na Internet. Cada vez que um pedido de remoção de conteúdo é aceito, a liberdade de crítica (e de responder a ela) é restringida. É possível admitir casos em que isso deva mesmo acontecer, mas devem ser excepcionais: a liberdade de expressão é a regra. E sobretudo quando o caso envolve lados que não estão em igualdade de condições. A Justiça não pode desconsiderar que uma grande empresa ou uma pessoa pública tem mais meios para responder e proteger-se de críticas do que um cidadão comum, por exemplo.

Por mais que críticas feitas aos produtos ou serviços oferecidos por uma empresa possam atingir a reputação da sua marca, este não é um argumento que deve ser usado para calar os consumidores. Inúmeros são os sites que oferecem sistemas de avaliação de produtos e serviços (review) e que se propõem justamente a agregar opiniões de consumidores satisfeitos e insatisfeitos. Se se assumir que a insatisfação dos clientes pode ser encarada como lesiva à reputação de uma empresa, isso significaria dizer que nenhuma crítica poderia ser feita nunca - o que poderia abrir espaço para abusos contra o consumidor. É claro que há limites, mas o crivo para amordaçar este tipo de crítica tem que ser rigoroso. A má-fé deve ser coibida, mas, para tanto, o juiz deve fazer uma análise pormenorizada do pedido, das alegações e das provas que puderam ser apresentadas. Nem sempre o que não pode ser provado não pode ser dito.Pense em um consumidor que se sentiu mal após comer em um restaurante mas que não tem como provar a origem de sua intoxicação alimentar. Isso deveria impedi-lo de alertar outros consumidores sobre suas suspeitas? Retirar um conteúdo da Internet significa, muitas vezes, retirar do usuário a sua única forma de protestar.

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O segundo ponto se refere à omissão de resultados de buscas na Internet. Se retirar um conteúdo postado por um consumidor já pode acarretar consequências para sua liberdade de expressão, impedir que sequer sejam encontrados registros sobre o que aconteceu é ainda mais sério. Isso porque o que está em jogo é o acesso à informação de todos os cidadãos. No caso analisado, por exemplo, além de não ter acesso ao vídeo, os interessados deixariam de poder encontrar, em suas buscas, resultados que mencionassem o episódio. É como se o caso fosse apagado da memória coletiva. Mais do que suprimir uma crítica, ao concordar com um pedido desta natureza, os juízes estão concedendo um direito de se editar a própria história. No caso de uma empresa, isso pode significar livrá-la da necessidade de lidar com polêmicas que envolveram seu nome ou de dar explicações aos consumidores sobre antigas denúncias.

Se considerarmos que buscadores de Internet são centrais na nossa experiência na rede hoje, fica fácil perceber como intervenções em seus resultados de busca podem comprometer nossa leitura do mundo e das informações que chegam até nós. O poder de determinar que determinadas versões sejam "esquecidas" pode fazer sentido na reparação de injustiças, o que é tentador. Porém, reconhecer esse direito pode abrir caminho para uma Internet em que ninguém mais encontrará críticas àqueles que tem condições de ajuizar ações judiciais - só elogios.

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