A internet no banco dos réus

Justiça do Acre obriga registro de blogs em cartório

Por Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

PUBLICIDADE

Por Francisco Brito Cruz

Nós às vezes ficamos chocados com a audácia de certos poderosos de nossos tempos em tentar controlar os meios de comunicação, para que só veiculem o que lhes é conveniente. Mas isso definitivamente não é de hoje: guardadas as imensas diferenças de contexto, tentativas de censura e controle da palavra e da expressão vêm no mínimo desde a invenção da imprensa. E, como a história se repete, toda vez que uma tecnologia vem a transformar a forma como nos comunicamos e produzimos ou usufruímos de cultura, alguns argumentos se repetem, com novas roupagens: como controlar a qualidade do que se produz? Como garantir que o ampliado acesso aos meios de comunicação não atuará em prejuízo da população? Nos últimos séculos esses argumentos sustentaram uma série de mecanismos de controle e censura.

PUBLICIDADE

Não têm sido diferentes as preocupações desde que o formato "blog" se popularizou: em minutos, qualquer pessoa pode, gratuitamente, abrir uma página na Internet em que suas ideias, sua versão das notícias, suas opiniões e outras criações podem rapidamente ganhar o mundo. Se ela for bem sucedida, pode ser tão lida quanto alguns jornais tradicionais.

Com o "blog", assim, vêm uma série de discussões: existe a necessidade de se garantir uma qualidade desse conteúdo? Quando ele é jornalístico? O que fazer quando qualquer um pode utilizar uma ferramenta como essa para exagerar e prejudicar alguém injustamente? E como proceder se a ideia for falar algumas verdades que algumas pessoas não querem que venham à tona, ou fazer críticas que outras pessoas não queiram suportar?

Preocupações desse tipo têm sido a base de uma série de iniciativas legislativas e decisões judiciais que, muito frequentemente, fogem a qualquer tentativa de se buscar um equilíbrio, que leve em consideração as também imensas vantagens que esses instrumentos trazem à comunicação e às nossas vidas cultural, social e política. Foi o caso de uma decisão recente, de um juiz do Acre, que estabeleceu obrigações de controle aos blogs daquele Estado que, na prática, pode inviabilizar a grande maioria deles.

Uma lei de 1973, a Lei de Registros Públicos, diz que serão "matriculados" em cartório os jornais, gráficas, emissoras de rádio e TV e agências de notícias. A regra, criada em um tempo em que nem se sonhava com a Internet que temos hoje, organiza a estrutura dos cartórios de registro - aqueles que a gente procura para tirar certidão de nascimento e reconhecer firma.

Publicidade

Com base nessa lei, o chefe do cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Rio Branco, no Acre, pediu a um juiz que intimasse 133 blogueiros atuantes no estado, por não estarem "matriculados" nesse cartório. A sua interpretação é que a lei de 1973 se aplica a veículos de comunicação de forma geral, e que os blogs estariam, portanto, descumprindo dever de registro. Além de obrigá-los a registrar-se (e, portanto, virar clientes do cartório), o Oficial Gustavo Luiz Gil pediu a aplicação de multa aos blogueiros pelo descumprimento.

Segundo a Lei de Registros Públicos, os jornais e veículos que não se matriculam no cartório correspondente podem ser multados em meio a dois salários mínimos - valor que vai se agravando em 50% a cada 10 dias de descumprimento da sentença. Para além disso, seu art. 125 determina que o jornal ou publicação periódica que não tenha tal matrícula será considerado clandestino; assim, se a lei se aplicasse a blogs, todos aqueles não matriculados passariam a ser blogs clandestinos.

O pedido chegou ao juiz Marcelo Badaró Duarte que, surpreendentemente, entendeu que a obrigação de 1973 aplica-se a blogs. Ele ordenou a intimação dos 133 blogueiros para que eles "regularizassem a situação" junto ao cartório que, assim, poderá obter uma lista atualizada de todos os blogs que funcionam em Rio Branco - e de seus respectivos responsáveis. Em comunicado, a Justiça acreana esclareceu que a decisão afastou a aplicação de multa. Os blogueiros, entretanto, terão de pagar R$ 610,80 para fazer o registro e mais R$ 150,00 a cada mudança que forem realizar nele (sendo seu dever mantê-lo atualizado).

Mas faz sentido qeu os blogs se encaixem nessa categoria estabelecida em 1973? Quais as consequências dessa interpretação?

A decisão passou longe de discutir as diferenças e semelhanças entre jornais, revistas, agências de notícias e emissoras, de um lado, e plataformas de postagem de conteúdo online (como blogs), de outro - o que seria importante para embasar a analogia. Em muitos aspectos, blogs estão distantes da imprensa impressa, em especial nos quesitos escala, controle editorial e profissionalismo. Nem sempre um blogueiro faz de seu blog uma atividade econômica ou um ganha-pão, por exemplo.

Publicidade

PUBLICIDADE

O juiz da decisão deu declaração à imprensa justificando sua decisão com o esclarecimento de que ela não diria respeito a pessoas físicas. Ainda que seja o caso, essa distinção também é pouco consequente: nós do InternetLab, por exemplo, mantemos um blog no nosso site, onde postamos informações sobre as nossas atividades, os textos que escrevemos, ou opiniões sobre temas que julgamos relevantes. Podemos algum dia resolver ficar alguns meses sem escrever. Se a decisão do juiz Badaró fosse em São Paulo, teríamos de nos matricular, pagar, avisar quando parássemos de escrever, tudo sob o risco de sermos considerados clandestinos. Para quem isso é bom?

Uma decisão como essa pode inviabilizar futuros blogs. Em primeiro lugar por tornar a sua atividade profissionalizada e distante de um amador que só quer publicar textos. Em segundo, por fornecer ao Estado (e, portanto, a políticos e autoridades públicas) nome e endereço de possíveis críticos - o que pode fazer com que eles se tornem menos críticos. É isso que queremos?

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.