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A internet no banco dos réus

Entenda a decisão que bloqueou o WhatsApp no Brasil

por Dennys Antonialli e Francisco Brito Cruz

Por Francisco Brito Cruz
Atualização:

Surpreendidos com a notícia de que o WhatsApp seria bloqueado a partir das 0h desta quinta-feira, muitos usuários estão se perguntando os motivos da decisão. O serviço ficou bloqueado por aproximadamente 12 horas até que a 2ª instância revertesse a decisão, o que acaba de acontecer. O InternetLab preparou 6 perguntas e respostas para que você fique por dentro.

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1. O que motivou a decisão?

De acordo com as informações divulgadas pela imprensa, a juíza Sandra Regina Nostre Marques, da 1a Vara Criminal de São Bernardo do Campo, decidiu suspender o WhatsApp porque a empresa estaria se negando a cumprir ordens suas. Marques teria determinado o bloqueio do aplicativo diante da recusa do WhatsApp a entregar dados e informações relacionados a usuários suspeitos de envolvimento com facções criminosas. A ordem teria sido dada na tentativa de constranger o aplicativo a cumprir a decisão.

Como o processo corre em segredo de justiça, o que possivelmente é justificado pelo caráter sigiloso das investigações em curso, não foi divulgado o exato teor da decisão. Assim, não é possível saber quais foram as informações requeridas pela juíza.

2. Como foi possível "tirar o WhatsApp do ar"?

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A juíza ordenou que as operadoras de telecomunicações responsáveis pelos cabos e conexões de Internet (como a Vivo, Claro, Tim e Oi, por exemplo) impeçam que haja tráfego entre os celulares ou computadores de brasileiros e os servidores do WhatsApp. A ideia é que essas empresas controladoras da infraestrutura utilizada pelos brasileiros para acessar a Internet e seus serviços bloqueiem o acesso aos endereços dos servidores utilizados pelo app.

Intimadas da decisão, as operadoras de telecomunicações foram obrigadas a cumpri-la, sob pena de também sofrerem penalidades determinadas pela Justiça. O bloqueio duraria até o final do prazo determinado (48h) ou até que um desembargador - juiz da 2ª instância - reverta a medida, o que ocorreu hoje (17/12), na hora do almoço.

 

3. O que pode ser feito nesses casos?

Além de o próprio aplicativo poder recorrer da decisão da juíza e solicitar a cassação da liminar em segunda instância, as empresas de telecomunicações podem tentar evitar o cumprimento da decisão. Até o momento, só se tem notícia de que a Oi tenha impetrado Habeas Corpus preventivo, que ainda aguarda julgamento, alegando que a decisão contraria o Marco Civil da Internet. Outras empresas de telecomunicaçoes parecem não ter se insurgido contra a determinação e estavam cumprindo a ordem de bloqueio, que acabou de ser revertida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Alternativamente, seria possível ainda que órgãos e entidades que atuem da defesa dosconsumidores, como o próprio Ministério Público ou o IDEC, adotassem estratégias para reverter a decisão, como a impetração de um mandado de segurança. Essa possibilidade está reforçada pelo artigo 30 do Marco Civil da Internet, que garante a tutela coletiva dos interesses e direitos dos usuários previstos na lei.

Aos usuários restam algumas opções que extrapolam o campo jurídico. A primeira - e mais óbvia - étrocar de aplicativo "mensageiro" (migrando para o Telegram, Signal ou outros). A segunda é passar a utilizar uma Virtual Private Network (VPN) para burlar a proibição ao estabelecer com o WhatsApp uma conexão "por fora" do Brasil, partindo de outro país.

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4. Esse bloqueio foi uma novidade?

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Não. O caso é muito parecido com o que ocorreu no Piauí, no começo deste ano. Para quem não se lembra: em um inquérito policial que corria na Delegacia de Proteção à Criança de Teresina/PI, um juiz determinou que o WhatsApp entregasse dados relacionados a usuários investigados pelos crimes de abuso e exploração sexual infantil, mas o aplicativo se recusou a fornecê-los. Tal como no caso de São Bernardo do Campo, o juiz também determinou o bloqueio do aplicativo em todo o Brasil, mas a medida não chegou a ser cumprida porque foi revertida antes pela 2ª instância.

Muito antes disso, em 2007, ficou famoso o caso do bloqueio do site YouTube por conta da divulgação de um vídeo íntimo envolvendo a modelo e apresentadora Daniela Cicarelli e seu então namorado. Diante da alegação do YouTube de que seria impossível impedir previamente as republicações do vídeo, a decisão do juiz foi a de bloquear o site no Brasil, medida que afetou milhões de pessoas. O site ficou fora do ar por aproximadamente 24 horas. Para isso, a estratégia foi a mesma. O juiz determinou que as operadoras de conexão impedissem o tráfego com os servidores do YouTube. É como desligar a chave que possibilita a comunicação com o site. Relembrar desse caso é importante porque mostra que este tipo de medida sempre foi possível, mesmo antes do Marco Civil da Internet.

Vale lembrar que esse caso é diferente do caso do bloqueio do aplicativo Secret. Nesse caso, o bloqueio do aplicativo foi feito direto nas lojas virtuais (Apple Store, para os usuários de iOS, e Google Play, para os usuários de Android) e não por meio das operadoras de telecomunicações. Além disso, no caso do Secret, o que se questionava era a legalidade do próprio aplicativo, que teoricamente violaria a legislação brasileira. Esse tipo de questionamento não existe em relação ao WhatsApp. A decisão é apenas uma tentativa de constranger o aplicativo a cumprir ordens judiciais.

 

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5. Essa possibilidade existe mesmo na lei? Isso se aplica a esse caso?

Sim, existe. O Código de Processo Civil, em vigor desde 1973, em seu artigo 461, por exemplo, autoriza o juiz a tomar medidas para garantir o cumprimento de suas decisões. O Marco Civil da Internet, lei que também se aplica a esse caso, possibilita ainda aplicar sanções a empresas estrangeiras de Internet que se recusem a cumprir a legislação brasileira em seu artigo 12. Dentre as sanções possíveis, está a suspensão temporária das atividades - e até mesmo a sua proibição. Mas essa é a penalidade mais drástica que pode ser adotada. Outras alternativas seriam advertência e multa (que pode chegar até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil).

Fica a discussão se a medida adotada pela juíza foi proporcional. Apesar de o descumprimento de uma ordem judicial configurar um fato grave e que deve ser reprimido, deve-se levar em conta o prejuízo que uma ordem deste tipo causa a milhões de brasileiros e quais as outras medidas que poderiam ter sido adotadas.

 

6. A juíza poderia ter optado por outras medidas ao invés dessa?

Sim, a juíza poderia estabelecer uma multa diária até o cumprimento da decisão por parte do WhatsApp, por exemplo. Essa multa poderia atingir valores significativos. Além da multa diária, prevista no Código de Processo Civil, o próprio Marco Civil da Internet autoriza a aplicação de uma multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil. Uma outra alternativa seria buscar responsabilizar penalmente seus representantes no Brasil, pelo crime de "desobediência".

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Caso o aplicativo não tenha representação no Brasil - o que dependeria de o Facebook provar que, apesar de ter adquirido a empresa, a separação entre elas se manteve -, nos casos de investigação criminal, como esse, é possível recorrer ao MLAT, um acordo de cooperação que o Brasil mantém com os Estados Unidos. Por meio do acordo, é possível requerer que as autoridades americanas constranjam empresas sediadas lá a cooperar e entregar as informações necessárias para a condução de investigações no Brasil.

Matéria atualizada com base naquela elaborada para este blog em 26/02/2015.

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