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A internet no banco dos réus

'Abafa!' não vale no Twitter, diz TJ-RJ

Que tipo de liberdade de expressão seria essa que valeria somente para postagens que não desagradassem políticos e poderosos?

Por Mariana Valente
Atualização:

Por Dennys Antonialli e Mariana Giorgetti Valente

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Eles têm apenas 140 caracteres, mas podem gerar muita discussão. Alguns são piadas curtas, outros são comentários cotidianos, como sobre os vestidos do Oscar ou sobre alguma cena chocante da novela. Há ainda quem compartilhe notícias, poste fotos, opiniões ou reclame de alguma coisa. Os tweets - postagens na plataforma Twitter - servem para quase tudo.

Muitas vezes, usamos plataformas como o Twitter para nos manifestar a respeito de fatos e acontecimentos narrados na mídia. A sua timeline do Facebook deve ser um bom exemplo disso. Mas nem sempre esses comentários são bem recebidos. Foi o que aconteceu com uma série de tweets relacionados a Daniel Dantas, empresário dono do grupo Opportunity, cujo nome esteve envolvido nas investigações da operação Satiagraha por desvio de verbas públicas. A operação foi longa e complexa, e mobilizou a mídia e a sociedade brasileira em diferentes momentos, implicando o delegado responsável, Protógenes Queiroz, e até o ministro do STF Gilmar Mendes.

Possivelmente, o empresário teve acesso às postagens porque elas foram feitas de forma pública na plataforma. Assim como o Facebook, o Twitter permite que o usuário restrinja a visualização de suas postagens às pessoas que aprova como seguidores, mas é comum que, por ser mais associado a um blog do que a uma rede social, os usuários não façam isso. Isso faz com que essas postagens possam ser compartilhadas por outros usuários - os chamados retweets. Além disso, as hashtags (aqueles termos seguidos do símbolo #) são ferramentas de organização desses conteúdos: agregam postagens referentes a um mesmo conteúdo, que também ficam publicamente disponíveis.

Na medida que a operação ia transcorrendo, o delegado responsável ia repercutindo o caso no Twitter (a ética disso foi questionada também nas discussões sobre a operação). Mas não só ele: usuários em geral iam comentando, indignando-se com informações postadas pelo delegado, reproduzindo links de matérias de jornal, com ou sem as suas opiniões. Hashtags como #OperaçãoBanqueiro e #OperaçãoSatiagraha foram usadas para identificar o assunto.

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Daniel Dantas não gostou. Julgou que sua honra estava sendo atingida por todos aqueles tweets, e buscou a justiça para exigir que a plataforma Twitter as removesse. Na sua argumentação, afirmou também que o delegado Protógenes Queiroz havia iniciado uma campanha difamatória que ultrapassava o direito de liberdade de expressão. E convenceu o juízo de primeira instância: foi concedida uma liminar para que o Twitter removesse as mensagens, mesmo antes de determinar se eram ofensivas ou não - o que só aconteceria ao final do processo.

O Twitter recorreu da decisão e convenceu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que a remoção preventiva dos tweets caracteriza uma violação à liberdade de expressão e de informação dos seus usuários.A decisão do Tribunal destacou que, se mantido, o julgamento de primeira instância abriria um perigoso precedente na medida em que autorizaria a censura de comentários sobre fatos notórios.

Não poderia ser diferente. Imagine se o direito à honra e à imagem pudessem ser usados irrestritamente para impedir os cidadãos de se manifestar a respeito de denúncias, investigações e fatos veiculados pela imprensa? Que tipo de liberdade de expressão seria essa que valeria somente para postagens que não desagradassem políticos e poderosos?

Demandas como a do empresário Daniel Dantas têm se multiplicado no Judiciário. No ano passado, comentamos ação movida pelo então presidenciável Aécio Neves para identificar e responsabilizar usuários do Twitter por postagens que, a seu ver, constituíam uma rede virtual de disseminação de mentiras e ofensas a seu respeito.

Há poucas semanas, o senador sofreu uma nova derrota: o Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou seu pedido para obrigar buscadores como Google e Bing a restringir o acesso a resultados que associassem seu nome a notícias referentes às denúncias de desvios de dinheiro público durante seu mandato como governador do Estado de Minas Gerais. Mais preocupante ainda era o pedido de que o processo corresse em segredo de justiça.

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Como o próprio Tribunal determinou no caso de Daniel Dantas, a liberdade de expressão tem, sim, limites, assim como todos os outros direitos. Inventar fatos criminosos ou incitar a violência a partir do discurso de ódio contra minorias não estão no âmbito de proteção desse direito, e devem culminar na responsabilização de seus autores. Mas usar esses limites para suprimir manifestações legitimas, como comentários genéricos sobre notícias que saíram na mídia ou críticas a figuras públicas, é tentar colocar uma mordaça nos cidadãos.

***

Informamos que, no dia 18/06/2015, às 18h00, recebemos e-mail da Assessoria de Comunicação do Opportunity, com as seguintes observações, que publicamos, na íntegra, abaixo:

"Prezados senhores,

A reportagem "Deu nos autos", publicada em 17/6, às 14h27, no site do Estadão.com, cita Daniel Dantas, Opportunity e Satigraha.

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Por isso, é preciso esclarecer que:

1. O Opportunity não lida com recursos públicos.

2. As ilegalidades na operação Satiagraha ocorreram antes mesmo de sua deflagração. No início das investigações por duas vezes, em setembro e em dezembro de 2007, o Ministério Público Federal pediu a descontinuidade da investigação, "já que dos autos não consta nada de concreto que sequer sugira a prática de crime por quem quer que seja".

3.  Em 7 junho de 2011, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acatou parecer do MPF e anulou a ação penal, originada da Satiagraha, em razão de suas ilegalidades. Notem que a Satiagraha foi anulada como parecer favorável do Ministério Público.

4. Em 11 de outubro de 2014, Protógenes Queiroz, comandante da operação, foi condenado por violação de sigilo funcional na forma qualificada (artigo 325, parágrafo 2º do Código Penal) pelo Supremo Tribunal Federal em votação unânime (3 votos a 0), em razão da Satiagraha. Os ministros fixaram a pena em dois anos e 6 meses, substituída por prestação de serviços.

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5. A Satiagraha, desdobramento da Chacal, escândalos policiais/midiáticos, foram encomendadas por concorrentes do Opportunity para vencer disputas societárias e conseguir tomar o controle de empresas lucrativas.

Atenciosamente,

Assessoria de Comunicação do Opportunity"

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