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Deu no New York Times

Abaixem as armas contra a Sopa

Acho que as companhias cinematográficas chegaram à era digital praticamente num estado de idiotia

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Por David Pogue
Atualização:

A esta altura, vocês provavelmente já ouviram falar dos projetos de lei que visam a deter a pirataria online (SOPA na sigla em inglês) e proteger a propriedade intelectual (PIPA). São as propostas contra a pirataria que estão sendo debatidas na Câmara e no Senado, respectivamente.

 Foto: Estadão

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Talvez vocês tenham se informado a respeito na quarta-feira, quando a Wikipedia e outros sites apagaram em protesto. (O Google cobriu seu logotipo com uma grande tarja preta, como a da censura.)

Fiquei observando essas coisas fascinado. É a primeira vez que tantos sites famosos da internet se unem para uma ação política. (Jenna Wotham no The New York Times fez uma ampla análise dessa inovação no nosso país.)

Mas também fiquei um pouco alarmado. Entre os milhões que aderiram aos protestos indignados, aposto que somente alguns leram realmente as propostas. Todos os outros, indubitavelmente, se deixaram levar pela linguagem contundente dos sites. Esses projetos de lei, afirmam seus opositores, permitirão que Hollywood censure a liberdade de expressão, que se acabe com a inovação, e que "se prejudique fatalmente a internet gratuita e aberta", como disse a Wikipedia. Acendam as tochas! Peguem as forquilhas!

Num acesso perverso de curiosidade, achei que talvez devesse estudar os projetos.

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Ninguém nega que essas propostas foram elaboradas pela indústria do entretenimento - filmes, TV, música. Essa legislação quer sanar sua frustração crônica: a maioria dos sites de pirataria, que fazem arquivos de filmes, TV, músicas e livros gratuitos, vem de fora. Embora recebam mais visitas do que o Google ou a Wikipedia, as leis americanas não podem tocá-los.

Os projetos Sopa e PIPA pretenderiam fechar esses sites de pirataria pressionando as companhias aqui, nos Estados Unidos, nos lugares onde têm jurisdição.

Por exemplo, eles obrigariam as provedoras americanas a bloquear os nomes de domínio (por exemplo, "piracy.com") desses sites estrangeiros. Permitiriam que o governo processasse sites americanos como Google e Facebook, e os próprios blogs, para que retirassem os links com os sites de pirataria. Dariam ao governo o direito de bloquear o financiamento desses sites; e ainda poderiam forçar empresas americanas para a remessa de dinheiro (como a PayPal) e os anunciantes a cortar as contas no exterior.

A indignação me lembra a controvérsia a respeito do aquecimento global. Sim, há pessoas que negam a mudança climática. Mas ninguém parece notar que estão em dois campos totalmente diferentes, fazendo afirmações totalmente diferentes. Alguns chegam a negar que exista sequer uma mudança climática. Outros a admitem, mas negam que as pessoas sejam responsáveis por ela. Essas duas categorias de pessoas realmente não estão do mesmo lado.

No caso da Sopa, também há dois grupos. Alguns aprovam os objetivos dos projetos de lei e reconhecem que a pirataria de software fugiu do controle; eles só contestam a abordagem dos projetos. Se o braço legal da indústria do entretenimento fugir do controle, afirmam, será possível considerar quase todas as outras coisas como um site de pirataria. O YouTube, por exemplo, porque inúmeros vídeos incluem trechos de programas de TV e músicas que têm direitos autorais a receber. O Facebook poderia ser outro, porque as pessoas muitas vezes se conectam com vídeos e músicas que têm direitos autorais. O Google e o Bing seriam responsáveis por retirar todos os links de um site questionável. Uma gigantesca dor de cabeça.

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Mas há outro grupo de pessoas com uma ideia diferente. Elas sequer concordam com o objetivo dos projetos de lei. Não querem que seus filmes gratuitos lhes sejam retirados. Um grande número delas acredita que o acesso gratuito a música e filmes é um direito seu de nascença. Não querem que o grande governo mau acabe com seu divertimento gratuito.

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Acho que as companhias cinematográficas chegaram à era digital praticamente num estado de idiotia. As normas para assistir a filmes online em sites autorizados são absurdas (24 hora para acabar o filme? Eles nunca ouviram falar em hora de dormir?). E há muitos filmes, até os mais compridos, que você não pode alugar ou fazer streaming online (a trilogia original de Guerra nas Estrelas, os três primeiros da série Indiana Jones, e centenas de outros.)

Esses estúdios deveriam se dar conta de que se você não dá às pessoas uma maneira legal de comprar o que elas querem, elas acharão outra maneira para consegui-lo.

Ao mesmo tempo, o que os sites de pirataria fazem não parece muito honesto. Sim, um dos subterfúgios da internet é você poder fazer cópias infinitas de alguma coisa e distribuí-las sem custo algum. Mas isso não faz com que seja legal roubar, principalmente quando o produto roubado está à venda a um preço razoável de fontes legítimas. Sim, mesmo que a companhia que você está roubando seja bem grande, lucrativa e dirigida por idiotas.

Nesse caso, a solução é trabalhar na redação desses projetos para excluir os abusos que os grandes sites temem. (E consertar a outra questão menor, a de que os projetos não funcionarão. Por exemplo, eles fizeram com que as companhias americanas de internet bloqueassem seu acesso a nomes de domínio como "piracy.com", mas você ainda poderia consegui-los teclando seus endereços numéricos subjacentes, como 197.12.34.56. Em outras palavras, qualquer pessoa com um mínimo de habilidade técnica superaria facilmente as barreiras.)

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Como se verificou, foi exatamente isso que ocorreu. Dezenas de parlamentares, e a própria Casa Branca, tiraram o apoio a esses projetos de lei; seus patrocinadores estão pensando em realizar grandes mudanças nas propostas. (Eles poderiam examinar, primeiro, as sugestões feitas no Editorial do The New York Times de quarta-feira: "a legislação poderia ter mais emendas para tornar mais restrita a definição de criminalidade e deixar claro que ela se destina somente a websites estrangeiros. E poderia reforçar as garantias de um processo devido. As partes privadas precisam primeiro ter um mandado judicial para bloquear operações com um website que consideram que está infringindo os seus direitos autorais".)

Em outras palavras, os protestos foram eficazes. Não existe nenhuma possibilidade de os projetos se transformarem em lei na sua forma atual.

Mas foi um sucesso piegas; a linguagem alarmista usada por alguns sites foi tão inconsistente quanto a linguagem do Congresso à qual se opuseram. (Na verdade, tenho um pouco de simpatia pela frustração do pessoal no setor de música. Ela foi explicada de modo simpático por Cary Sherman, diretor executivo da Recording Industry Association, dos Estados Unidos. "É muito difícil conter a desinformação quando aqueles que a difundem também são donos da plataforma").

Finalmente, não muitas pessoas admitiram que a oposição estava invocando dois pontos totalmente diferentes - o grupo do "você está indo pelo caminho errado" e o grupo do "queremos nossos filmes ilegais".

No novo mundo da internet versus governo, o sistema funcionou: as pessoas se expressaram, o governo ouviu e isso é bom. Mas vamos agir com responsabilidade, minha gente. Ambos os lados têm obrigação de fazer a coisa certa.

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/ Tradução de Anna Capovilla e Terezinha Martino

* Publicado originalmente em 19/01/2012.

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