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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Qual é o preço justo?

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Na coluna Ideias no Ar de hoje, tratamos de preços altos e promoções.

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Tem causado muito barulho - até virou tema de piada - o preço do novo videogame Playstation lançado no Brasil, a quatro mil reais. De onde vem a indignação das pessoas?

Preço é um valor abstrato, um número que poderia ser muito maior ou muito menor, para o qual não há parâmetros simples de comparação. E nosso cérebro lida muito mal com valores absolutos - sobretudo quando são abstratos; nosso mecanismo natural de avaliação é comparativo - quado dizemos que algo é alto, pesado, escuro ou frio, estamos fazendo comparações. Isso faz com que a precificação seja sujeita a muitas manipulações. Os restaurantes, por exemplo, adoram colocar no menu alguns pratos caríssimos, pois em comparação com eles os outros preços parecem razoáveis. Esse fenômeno foi chamado de ancoragem, e não serve só para preços - pesquisas mostram que pensar em números grandes ou pequenos leva a pessoa a estimar preços como sendo maiores ou menores, por exemplo.

Quando avaliamos o preço de um novo produto, utilizamos também as comparações que temos à disposição. Preços anteriores, o de produtos equivalentes e até mesmo o que imaginamos ser o custo de produção daquele bem. Ocorre que com o caso do Playstation há uma medida extra de comparação, que são os preços praticados em outros países. Quando as pessoas percebem que o novo videogame custa não apenas praticamente o dobro do concorrente, e quase cinco vezes seu valor nos EUA, fica muito difícil juntar argumentos para minimizar contraste tão grande. Estudos de neuroimagem trouxeram alguma materialidade para o assunto ao mostrar que quando temos contato com um objeto de desejo há maior ativação de nossos centros cerebrais relacionados ao prazer, mas quando chega a hora de pagar, ativa-se a ínsula, região ligada a emoções desagradáveis e à dor. O córtex pré-frontal calcula custos e benefícios, e assim decidimos comprar ou não. Esse fenômeno é tão consistente que foi possível aos cientistas saber se a pessoa iria ou não fazer uma compra apenas observando o padrão cerebral - quando o preço é maior do que se esperava, a região da ínsula era visivelmente mais ativada, e as pessoas desistiam da compra. Está decifrado o mecanismo da promoção: quando vemos numa etiqueta que o produto de custava R$100,00 e agora custa R$70,00, o prazer é maior do que a dor e ficamos muito tentados a comprar, seja o que for.

O desafio do fabricante, portanto, será tentar aumentar o desejo pelo produto, fazendo o prazer superar a dor. Caso contrário, a dor sinalizada pelo cérebro continuará sendo sentida no bolso.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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