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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Heleno de Freitas e Tim Maia - a loucura do sucesso

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Sexo, drogas e futebol. Ou música. Dois personagens resgatados nos últimos tempos que tiveram suas vidas marcadas pelo exagero desses elementos estão em cartaz em interpretações que vão marcar a história da dramaturgia nacional. Sem exagero.

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Em ordem cronológica, comecemos com Heleno de Freitas, jogador de futebol que foi um dos primeiros popstars dos gramados. Formado em Direito, vindo de família abastada, Heleno tinha a empáfia de quem sabe que é melhor do que os outros e uma arrogância que o impedia de disfarçar que sabia disso. Viciado em lança perfume e mulherengo, briguento e estourado, contraiu sífilis jovem e morreu aos 39 anos, quando a doença, atingindo seu cérebro, deixou-o - literalmente - louco. O filme Heleno, do diretor José Henrique Fonseca, traz Rodrigo Santoro no papel título do jogador, numa interpretação cuja força pode ser atestada na balança: para retratar a fase final de Heleno, internado num asilo em Barbacena, Santoro emagreceu doze quilos. Levando em conta que ele já estava em forma para interpretar um atleta de ponta, tem-se a dimensão da entrega ao personagem. É o tipo de sacrifício que o faria por as mãos no Oscar, fosse nos Estados Unidos. Ao fugir da caricatura e optar por mostrar o personagem como um todo, Santoro mergulhou no papel - estudou durante cinco anos para o filme - e voltou à tona com uma das melhores, se não a melhor interpretação de sua carreira.

Entrega semelhante pode ser vista na interpretação teatral que Tiago Abravanel faz de Tim Maia. Após ser aprovado para o papel do músico tijucano, Abravanel fez um laboratório intensivo de seis semanas, não só estudando a biografia de Tim, na qual o espetáculo se baseia, mas assistindo 20 horas de gravações do cantor. Seria injusto dizer que se trata de uma boa imitação. Muito mais do que isso, ele representa a vida de Tim Maia da juventude até a morte - com 55 anos - mudando não só o tamanho da barriga, mas a própria forma de cantar: é notável perceber como a voz límpida do início da carreira vai dando lugar à rouquidão com a decadência física do cantor. Como os grandes ícones da música mundial, a vida de Tim Maia foi vivida numa intensidade incompatível com a longevidade, com romances violentos e, sobretudo, excesso de drogas. Desde que foi introduzido ao mundo dos psicotrópicos não parou mais, experimentando muito de tudo, de maconha a LSD, de álcool a cocaína, por vezes tudo ao mesmo tempo. Os prejuízos não foram só na saúde, mas a carreira e a vida pessoal seguiram o mesmo rumo, história que a peça pontua com canções interpretadas com maestria por Tiago Abravanel em quase três horas de espetáculo.

Popstars morrem mais cedo mesmo. Não é mito: a vida extremada, o contínuo estresse pela performance, a disponibilidade de álcool e drogas, tudo isso faz com que os famosos, pelo menos do mundo da música, morram 70% a mais do que a população geral nos anos seguintes ao sucesso. Só após vinte e cinco anos do início da fama os índices de mortalidade voltam ao normal. Significativo é perceber que o risco era maior para os que estouraram antes de 1980 - do final do século para cá parece que as pessoas estão menos tresloucadas.

Alguns podem achar que é a caretice da nossa época, preocupada demais com a saúde e com o politicamente correto, e que só essa loucura produz verdadeiros talentos. Mas talvez seja o contrário. Heleno de Freitas teve que implorar para conseguir jogar uma só partida no Maracanã - que era seu sonho - por causa de sua decadência física, e Tim Maia viu seus shows rarearem e os discos encalharem depois que sua carreira desandou. Pode ser caretice, mas fico com a impressão que essa loucura toda mais atrapalhou do que ajudou, impedindo-os de brilhar ainda mais.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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