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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Ganhar na Mega-Sena ou tomar um bom café?

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Atualização:

Eu descubro que a Mega-Sena está acumulada novamente quando vejo as filas para fora das casas lotéricas. É interessante pensar que mais pessoas resolvem jogar quanto maior é o prêmio oferecido. Acho que é porque no fundo todo mundo sabe que as chances são absurdamente pequenas, evitando por isso gastar tempo com o trabalho de ir até a lotérica, pagar, preencher o bilhete etc. Com mais dinheiro, contudo, a tentação deve ser maior, imagino, levando o sujeito a enfrentar filas, gastando mais tempo, apesar de ter exatamente as mesmas - ridículas - chance de ganhar (a única coisa que aumenta é o risco de ter que dividir o prêmio, já que mais gente joga).

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No filme Antes do pôr do sol, segundo da trilogia do diretor Richard Linklater com o casal Ethan Hawke e Julie Delpy, durante um dos envolventes diálogos - que constituem quase o filme todo - Hawke diz que foi comprovado que ganhar na loteria não traz felicidade. Ele dá até detalhes, dizendo que não fazia diferença ganhar dinheiro ou ficar paralítico no longo prazo.

É por aí mesmo. O roteiro citava aqui - com propriedade - o estudo clássico da década de 70, no qual os pesquisadores compararam setenta e três pessoas, 22 que ganharam prêmios na loteria americana (de até 1 milhão de dólares), 29 que ficaram paraplégicas por causa de acidentes e 22 sem eventos significativos na vida. Perguntando sobre a felicidade e os prazeres do dia-a-dia, descobriu-se que as pessoas que sofreram acidentes tendiam a glamorizar o passado, pois se consideravam mais felizes do que a média das pessoas antes de perderem os movimentos. Já dentre os ganhadores, menos de um quarto experimentou mudanças significativas no estilo de vida, não se sentido mais felizes do que as pessoas em geral. O mais interessante, contudo, é que os pequenos prazeres da vida, como conversar com amigos, ver televisão, tomar um bom café da manhã, ler uma revista ou comprar roupas foram classificados como menos interessantes ou prazerosos pelos ganhadores do que pelos paralíticos e o grupo controle.

O pior é que, com o passar do tempo o padrão se manteve. Quer dizer: ganhar na loteria parece ser uma felicidade tão grande que rouba a alegria das pequenas recompensas do cotidiano, mas sem oferecer uma outra forma de satisfação em troca.

Mas não precisa se preocupar com isso: aposto o dez vezes o que você pagou no seu bilhete como você não será sorteado. O que certamente não te fará infeliz.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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