EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Psiquiatria e sociedade

Opinião|Esquizofrenia e os aviões que não caem

PUBLICIDADE

Foto do author Daniel Martins de Barros
Atualização:

Ah, a imprensa. Adoramos culpá-la por tudo de ruim que vemos na mídia - do sensacionalismo à manipulação, tendemos a concordar com Balzac, que disse que "Se a imprensa não existisse, seria preciso não inventá-la". Claro que não é bem assim, já que a imprensa livre é um dos pilares fundamentais da sociedade democrática. Mas quando conseguimos identificar problemas específicos é importante apontá-los. É o que ocorre com a esquizofrenia.

PUBLICIDADE

Num estudo recém publicado por pesquisadores brasileiros, a ocorrência de palavras como "esquizofrenia", "esquizofrênico" e "esquizofrênica" foi levantada nos principais veículos de jornalismo impresso do país em 2008 e 2011. Nas bases de dados consultadas, os termos ocorreram 229 vezes. Classificados em três tipos de ocorrência - médico-científica, policial ou metafórica - eles se distribuíram de forma mais ou menos homogênea, um terço em cada categoria. Sob a capa dessa distribuição aparentemente equilibrada, no entanto, escondem-se algumas distorções importantes.

Em primeiro lugar, esquizofrenia é um diagnóstico médico, e esquizofrênicos são os pacientes que apresentam tal diagnóstico; seu uso como metáforas para "absurdo", "incoerente" ou "contraditório", sobretudo em notícias de política e economia, é uma apropriação indevida e, pior, carregada de valoração negativa. Em segundo vem o fato de que já se sabe extensamente que a maioria dos pacientes psiquiátricos, esquizofrênicos ou não, não é violenta, e que os crimes que assustam a sociedade são quase sempre cometidos por pessoas sem doença mental. Dessa forma, um terço das ocorrências do termo se dar nas notícias policiais reflete - e reforça - um preconceito infundado que associa doença mental a violência. Tal preconceito talvez explique porque os pacientes foram retratados de forma negativa em 93% das notícias de 2011, e em 100% de 2008.

Numa cobertura isenta de viéses a palavra esquizofrenia deveria ocorrer muito mais em notícias médico-científicas do que em outras categorias. Mas, infelizmente, centenas de pacientes terem alta hospitalar por melhora do seu quadro não é notícia, mas se um deles mata alguém a manchete é garantida. Se é verdade que no jornalismo a gente nunca lê sobre um avião que não caiu, é hora de mostrarmos que aviões com problemas também podem voar alto.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.