"Um bom assassinato, um legítimo assassinato , um belo assassinato". - declara o policial a repórteres - "Tão belo quanto era de se desejar".
A frase faz parte da peça Anatomia Woyzeck, que fecha a trilogia da violência da Cia Razões Inversas. Nela, talvez até mais do que em Agreste ou Anatomia Frozen, vê-se como violência é um fenômeno complexo e que resiste a explicações simplistas.
O texto da peça inacabada de Georg Büchner - considerada uma das mais importantes do teatro do século XIX - foi inspirado pelo caso real do soldado Johann Christian Woyzeck, que assassinou sua companheira e mãe de seu filho em 1821 na cidade de Leipzig. Preso, logo foi alegada insanidade mental por sua defesa, levando o caso a se arrastar por dois anos entre avaliações e laudos psiquiátricos. Dos médicos locais até a Faculdade de Medicina da Universidade de Leipzig, muito se debateu sobre a causa do homicídio e a responsabilidade de Woyzeck, até que, a despeito de um quadro psicótico, ele foi executado.
Mas a riqueza da peça, preservada na presente montagem, consiste em não reduzir a discussão a relações de causa e efeito. A violência cometida pelo protagonista já quase no final do espetáculo é só mais uma no meio de tantas que cercam sua vida, desde a subtração de sua autonomia - como soldado ou como cobaia de experiências médicas - até o fascínio com que o crime é escrutinado pela sociedade. O mundo é violento. Ponto.
Psicótico ou não, responsável ou não, a dramatização do caso Woyzeck levanta questões profundas sobre a violência como produto de si mesma, indo além do universo da loucura. Menos do que o quadro clínico, é a perturbação que fica em primeiro plano, representada pela narrativa fragmentada da peça, pela sucessão de cenas em ordem não cronológica e pelo revezamento que os atores fazem em cena. O desconforto que se cria no espectador consegue dar uma ideia de quão perturbado estava Woyzeck, levando a pensar quem, sendo ou não louco, não ficaria violento naquela situação.