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O saber dos pais, as invenções dos filhos e o conhecimento dos especialistas

Castigo não!

Como os pais podem reagir, em casa, ao que acontece na escola.

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Por Paula Antunes Ruggiero
Atualização:

É muito comum o professor informar aos pais algo que está acontecendo na escola, esperando que os pais ajudem a resolver a situação. Os pais então se sentem obrigados a tomar uma atitude e castigar a criança parece ser uma solução comum.

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Algumas crianças são muito diferentes em casa e na escola. Conheci uma porçãodelas muito quietinhas na escola, mas que em casa falavam pelos cotovelos! As vezes nem dá para acreditar!

Já quando a criançachora ou grita para resolver seus problemas, imaginamos que isso aconteça em casa também. O mesmo se passa com aquela que bate muito. Podemos supor que em casa ela também atue impulsivamente, pois resolver os problemas chorando ou batendo significa que a palavra ainda não funciona como mediação.

Muitos pais dizem: "Isso não acontece em casa!" Pois é, talvez bater em colegas não aconteça mesmo, porque na casa, na pracinha, na casa dos amigos há sempre a mediação de um adulto. A relação costuma se dar com crianças de diferentes idades, amigos e primos mais velhos ou mais novos que, ou organizam a brincadeira, ou requerem cuidados.Na escola a relação se dá entre pares, todos com a mesma idade, mesmas questões e interesses.

De qualquer forma, castigo é uma ação pouco educativa, porque em geral não tem nenhuma relação com o ocorrido. Se uma criança bate na escola e perde a televisão, o que uma ação tem a ver com a outra? Se o bater demonstra a impossibilidade de resolver um conflitopela conversa, de chegar a um acordo, de expressar uma opinião ou um desejo, o que a falta de televisão ensina? A pergunta que deve ser feita é: "Como eu ensino meu filho a não bater para resolver seus problemas?" Podemos tirar a televisão quando a criança, por exemplo, não respeita os combinados quanto ao tipo de programa a assistir ou ao tempo e horário destinado a isso. Se não usa direito, perde o direito de usar!

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O que acontece na escola deve ser tratado na escola. Uma briga deve ter a intervenção dos professores para que as crianças observem o ponto de vista das outras, que tentem falar o que sentiram, que tentem pensarmaneiras diferentes de resolver o conflito. Um castigo depois disso perde todo o sentido.

A consequência dos atos é o que ensina qualquer criança. Aprender com o próprio erro é um conceito antigo e extremamente efetivo. Para isso a criança deve ser ajudada a entender a consequência de seu ato; no caso do bater, a consequência é o sentimento ruim que os colegas sentem, afinal, ninguém gosta de apanhar!

Conversar com a criança sobre o que aconteceu na escola (relatado pelo professor) é outra atitude comum entre os pais, mas, se a criança for pequena, até 5 anos, pelo menos,a conversa fica descontextualizada, porque ela vive o aqui e agora.

A conversa mais efetiva é entre pais e professores. Já sabemos que não adianta para nada buscar culpados, o interessante é buscar a resposta da pergunta: "O que podemos fazer para ajudar a criança, cada um na sua instância?"

Se a criança bate em vez de falar é por que age impulsivamente, pais e professores podem ajudá-la, cada um no seu contexto, a expressar seus sentimentos sem chegar às vias de fato. Falar em vez de bater.Você pode falar o que quer, falar o que te chateou, mas não gritar, bater, ou jogar o que tem nas mãos. A fala é, na verdade, o grande trunfo dos seres humanos.

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Já tive pai entrando na escola para pedir satisfações com um menino que bateu em seu filho, e veja que estou falando de crianças de 4 a 6 anos! O que ensinou a seu filho? Será que ele era muito diferente do colega que bateu?

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Voltando ao castigo, ele não ensina nada, faz a criança obedecer por medo, é estabelecida uma relação de autoridade unilateral. A criança passa a ser obediente para agradar aos pais, não porque aprendeu alguma coisa.

Constance Kamii (1) nos fala sobre três consequências da punição: o cálculo de risco, a conformidade cega e a revolta. Segundo ela, "a criança que for punida repetirá o mesmo ato, mas, da próxima vez, tentará evitar ser descoberta. Em outras ocasiões, a criança decide estoicamente, e por antecipação, que, mesmo que seja descoberta, o preço será compensado pelo prazer que obterá." Segundo ela "a punição reforça a heteronomia (2) e impede que elas desenvolvam sua autonomia (3)".

1 - Kamii, Constance - A Criança e o Numero. Campinas, SP: Papirus. 1990.

2 - Heteronomia - ser governado por outro.

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3 - Autonomia - governar por si próprio,capacidade de tomar decisões por conta própria, sobre o certo e o errado, o verdadeiro e o falso, levando em consideração fatores relevantes, independentemente de recompensa ou castigo.

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