Foto do(a) blog

Crônica, política e derivações

Nenhum homem é uma ilha?

PUBLICIDADE

Por Paulo Rosenbaum
Atualização:

 

"No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main;

if a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were,

as well as if a manor of thy friends or of thine own were; any man's death diminishes me, because

I am involved in mankind; and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee"

John Donne (meditation 17)

Publicidade

"Nenhum homem é uma ilha" diz o poema de John Donne. Mas as vezes, é assim que nos sentimos. Já passou do tempo. A proporção de forças díspares vem sendo discutida. O Conselho de Segurança falou, tá falado. Mas a abstração de teoremas desaparecem na extensão das coisas terrenas. Serve para Gaza, Ucrânia, França, América Latina, Rússia, Sudão, Cuba ou Taiwan. Não importa a latitude. Nada do que se passa parece razoável. Como dizer sem confessar ser parte do problema? Mas é literal: compartilhamos o mesmíssimo barco. A desproporcionalidade, a injustiça e o abandono estão na ignorância. As pessoas não odeiam País A, B ou C, elas só não sabem o significado de cada um deles. Como toda luta contra forças talhadas pela obscuridade só podemos golpear o ar. A batalha pelo ciberspace, mais plástica, mais rápida, mais mentirosa. O verdadeiro conflito protegido pelos bastidores: Qatar e Turquia Versus Egito e Arábia Saudita. A mídia desfigura reputações, e a retratação, tardia, só refaz superfícies.  É tão difícil assim entender que ser contra a guerra não significa abdicar da obrigação de se defender? Para a maioria parece que sim, trata-se portanto de uma compreensão seletiva da realidade. Ainda bem que nunca levei fé em maiorias. Mas é claro que Israel é um caso a parte: a legítima defesa criminalizada. O contexto, abortado. Para deslegitimar testemunharam-se desvios, da razão, da civilização. Na lógica dos mísseis todos os alvos se tornaram legítimos. A rotação da esfera entrou no lado escuro, sombra e escatologia. Chamem como quiserem, mas não existe choque entre civilizações. Há vácuo. Ele estacionou entre culturas. Ilhados e sem reparo à vista, ninguém ainda acordou para o fim da tolerância. Para bem além do antissemitismo, a guerra rola contra todos. O que explicaria cristãos carbonizados, budistas enforcados, xiitas mutilados e minorias esmagadas? O fetichismo do Isis? A sobrenatural leniência do ocidente? A silenciosa opressão chinesa? O fantasma de uma KGB mundial no neoczarismo de Putin? Sem muita cerimônia, tendências extremas se reagruparam no calor das oportunidades. Neonazistas respiram, separatistas picotam, jihadistas comandam, xenófofos enxotam. Não basta a complexidade da vida, agora seremos colonizados por demandas que nem escolhemos? A ideologia doutrinaria se uniu aos conservadores pragmáticos. Velhos comunistas, veteranos fascistas e ideologias de antanho entraram em acordo. E por aqui? Tanto faz sininhos, peter pans, ou o exército do capitão gancho: a violência fixou-se como linguagem. Junho negro, molotovs e partidos de ação direta. É bem provável que tenhamos que financiar campanhas e pólvora com dinheiro público. E as jurisdições não alcançam as aberrações. Mereciam condenação por burrice e infração única: colaboraram para que incríveis manifestações pacíficas dessem em nada. Nem erudição nem populismo tem respostas. Os intelectuais emudeceram na ciclotimia, alimentados com subsídios do Estado. Nenhuma fonte é mais confiável. Uma geração dividida entre subserviência e radicalismo. A critica torturada sob a positividade das convicções. A vingança virá com o centralismo partidário, revival de soviets ou golpes de Estado. Com a anomia cultivada, a censura branda vige. Nem bancos podem mais dizer o que pensam. Enfim consenso. Todos se juntam quando o alvo são as liberdades. Eleitas como o grande perigo para o projeto. Esquerda e direita se uniram num complô contra os continentes.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.