Heavy metal é coisa de acadêmico erudito, só para atazanar a vida de quem acha que roqueiro é alienado. Pois não é que uma tese de mestrado no Rio de Janeiro sobre metal extremo ganhou nota máxima e se transformou em livro? E em livro muito bem escrito e muito informativo, quase um livro-reportagem.
"Trevas sobre a luz - O underground do heavy metal extremo no Brasil" foi editado pela editora Alameda, de São Paulo, e pode ser encontrado na Livraria Saraiva e na Cultura. O autor é Leonardo Carbonieri Campoy, professor da rede pública do Paraná e ex-vocalista de várias bandas de metal do Paraná.
Se existisse uma categoria científica chamada "antropologia urbana", esta obra seria o melhor exemplo. Campoy consegue traduzir para o mundo real o significa música extrema e metal extremo.
Consegue destrinchar para quem não entende como aquele "barulho brutal" pode ser chamado de música, além de mostrar toda uma estética construída por trás do movimento - agressivo e às violento, em termos sonoros, mas que agrupa uma parcela expressiva de adeptos.
O livro constrói sua argumentação sempre tendo a música como base, mas investiga como foi possível construir uma comunidade no Brasil em torno de um subgênero musical ignorado pela mídia tradicional e execrado pela sociedade conservadora - e nem tão conservadora assim. Afinal, como foi possível prosperar por aqui uma cena que tem por base uma música brutal e a gressiva, originária da Alemanha e da Escandinávia?
A formação de Campoy ajudou bastante na elaboração do texto. Sociólogo, com ampla visão do que significa a antropologia como ferramenta científica, ele não se limitou apenas a mostrar a existência de uma cena metálica extrema: pesquisou o seu surgimento e conseguiu escancarar os detalhes de seu funcionamento.
Não há uma grande preocupação em buscar conclusões definitivas a respeito do assunto. Campoy tenta entender e traduzir como foi possível que o metal extremo, com sua agressividade e peso, atraiu adeptos mesmo abordando temas até então distantes da realidade artística e lírica do meio cultural brasileiro, apoiando-se em um imaginário que estiliza o mal, o abjeto, o horror, a destruição - quando não o satanismo e a negação total da sociedade ocidental atual e qualquer coisa que possa ser ligada à religião e à Igreja Católica.
Coisa de gente esquisita e marginalizada, ou revoltada? Até pode ser em alguns casos, mas Campoy demonstra por meio de muita informação que o heavy metal, extremo ou não, é um gênero que necessita de uma certa dose de conteúdo e de inteligência, ao mesmo tempo em que incentiva o questionamento, a buscar explicações - incentiva o pensamento, estimula o ouvinte a pensar.
Portanto, heavy metal é coisa de academia, de pós-graduação, de doutorado. Coisa de gente inteligente e com conteúdo, ao contrário que normalmente se vê em outros gêneros e subgêneros musicais populares tão apreciados no Brasil. É uma leitura obrigatória para quem pretende entender, de alguma forma, o porquê de o subgênero pesado e agressivo atrair desde crianças e adolescentes até professores e sociólogos.
Leonardo Campoy é bacharel em ciências sociais pela Universidade Federal do Paraná e mestre em sociologia e antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Trevas sobre a Luz" é a dissertação de mestrado defendida no fim de 2008 na UFRJ. Como ela ganhou um prêmio da ANPOCS (associação nacional dos programas de pós graduação em ciências sociais), foi virou livro.