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Politicamente correto e mediocridade elegem novo alvo: a crítica

Marcelo Moreira

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Por Redação
Atualização:

O politicamente correto está em cruzada firme para matar a liberdade de expressão e de opinião. Tem fracassado na maioria das vezes, principalmente quando "respaldado" por argumentos ideológicos retrógrados ou de origem religiosa igualmente estapafúrdios.

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De mãos dadas com a ignorância e com a falta de respeito, o politicamente correto agora está atacando, ainda que de forma atabalhoada, a crítica nas áreas de cultura, artes e espetáculos, tanto em jornais como na internet.

Parece existir uma regra não escrita de que é proibido falar mal de qualquer coisa e de alguém, e que tudo precisa ser sempre relativizado, e que a tal "contextualização" serve como muleta para toda e qualquer justificativa para que se não se fale mal de uma obra de arte.

Os exemplos vão do mais simples e rasteiro - legiões de fãs inconformado com críticas negativas a seus ídolos - ao mais pedante e arrogante pseudointelectualismo de boteco movido a tintas malcheirosas de ideologia burra e ultrapassada - a situação absurda mais recente é o patrulhamento em cima do suposto conteúdo racista de algumas obras de Monteiro Lobato.

Se a internet revolucionou a forma de como o ser humano lida e obtém informação, também mudou para pior a forma de como as pessoas discutem e debatem. A internet jogou o debate na lata do lixo em grande parte dos assuntos relevantes em qualquer parte do mundo.

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Transformou-se em uma enorme cracolândia (parafraseando o sábio jornalista Décio Trujillo Júnior), onde a desqualificação virou o principal argumento de discussão - e ferramenta obrigatória de indigentes intelectuais e culturais para mascarar a própria ignorância.

Ter opinião é pecado no século XXI dominado pela tecnologia, pela web e pelas redes sociais. A crítica negativa de um disco ou um livro é apedrejada de forma inacreditável apenas por ser negativa - com a interatividade, leitores/internautas travam um debate de baixíssimo nível, como se o ídolo fosse unanimidade e inatacável.

Não se respeita mais na internet e nos jornais o direito de jornalistas, críticos e especialistas respeitados, com pelo menos duas ou três décadas de ofício, de opinar. Ninguém diverge, contesta ou discorda com educação ou argumentos. Diverge-se, contesta-se e se discorda com ameaças e agressões verbais de todos os tempos. É um movimento inaceitável de cassação do direito de criticar e opinar. 

Tal quadro desalentador é observado de forma mais acentuada na área de cultura popular, particularmente na música. O anonimato e a distância tornaram a covardia e a agressão gratuita ferramentas essenciais para a imposição de ideias ou para protestar de forma a intimidar articulistas ou especialistas de todos os matizes.

Os ataques veementes e constantes contra a opinião e a crítica, quase sempre de forma tola, vazia e inconsequente, instauraram um clima de inquisição na internet. Mais do que a arquibancada violenta de um Fla-Flu ou um Corinthians e Palmeiras, qualquer crítica ao trabalho de certos artistas vira motivo para um autêntico linchamento moral e ético contra o autor.

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Vários textos do Combate Rock foram alvo de leitores enfurecidos e atormentados por conta de críticas aos trabalhos de gente como Mutantes, Nirvana, Raul Seixas, Legião Urbana, Restart, Charlie Brown Jr e Los Hermanos, entre outros.

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Parte expressiva dos "comentários", em língua com algum parentesco com o português, abusou de xingamentos, desqualificações rasteiras e protestos estéreis contra os autores. Em nenhum momento chegaram perto de argumentar com algum nível de decência o objeto da questão - as críticas em si.

O poeta e escritor Luiz Carlos "Barata" Cichetto, conhecido no meio underground do rock e dos cenários literários alternativos de São Paulo e Rio de Janeiro, sofreu uma ação massiva de xingamentos e desqualificações quando publicou no site Whiplash, o melhor e mais diversificado sobre rock em português.

Ele escreveu um texto onde apontava as coincidências e quase plágios na obra de Raul Seixas - texto já reproduzido no Combate Rock. Detalhado e bem fundamentado, o artigo foi desqualificado por todos, mas em nenhum momento foi contestado de forma séria.

Acreditar que toda essa várzea é o retrato da internet é um equívoco tremendo e uma injustiça para com a imensa maioria de pessoas sérias e que usam a web com prudência e inteligência. No entanto, não há como ignorar a sensação de que é justamente a cracolândia é que domina o ambiente virtual, tanto em português como em qualquer língua. A precarização e o baixo nível não são privilégio dos brasileiros.

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Ainda assim, é assustadora a indigência intelectual que dominam fóruns e páginas de opinião de blogs, portais e sites brasileiros. Nem é o caso de mencionar os ambientes esportivos dedicados ao futebol, onde o clima de arquibancada é compatível com a ausência de educação e inteligência na maioria das vezes - na verdade, parece que isso é requisito básico para tais ambientes.

O desconhecimento total da função de jornalistas e críticos revela de forma inequívoca o elevado grau de desinformação do público em geral, evidenciando, por outro lado, um viés extremamente perigoso: a intolerância para com a divergência, a diversidade e a diferença.

Não são poucos os iletrados que "questionam" o papel do jornalismo, da mídia e da imprensa, chegando à petulância de dizer (ou seria "determinar") o que um jornalista deve ou não escrever, e como tem de escrever. "Jornalista não pode dar opinião" é apenas a mais frequente dos lixos publicados em páginas de comentários em grandes portais de internet.

O baixo nível predominante na internet e a incapacidade - ou recusa - de compreensão de qualquer texto opinativo é um indicativo preocupante de uma tendência autoritária que predomina no grande público - algo bastante comum em ambientes de discussão política, seja de direita ou esquerda, igualmente de níveis baixos de inteligência, cultura e tolerância.

A tentativa de imposição de uma "homogeneização" de pensamento artístico-cultural - onde o politicamente correto, a ausência de senso crítico e a esterilidade de ideias predominam - é inócua, mas não menos desalentadora.

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Qual o sentido de opinar, criticar, debater e pensar em um ambiente que repele a vida inteligente, onde o que interessa é a futilidade e o entretenimento mais rasteiro e pueril que existe?

Levar luz às trevas? Por mais que intelectualmente seja tentador, essa motivação é pedante demais. Satisfação pessoal? Egoísta demais.

O fato é que críticos, colunistas e jornalistas especializados são cada vez mais lidos na internet, seja em blogs pessoais ou em espaços próprios em grandes portais ou portais de grandes jornais.

Os acessos e o número de comentários só aumentam no Estadão.com e na maioria dos blogs e espaços de colunistas no UOL, só para citar alguns exemplos. Portanto, eis a maior vitória da vida inteligente na internet: criticados, desqualificados, xingados e até ameaçados, mas cada vez mais lidos em um verdadeiro mar de mediocridade.

É maior prova de vida inteligente na web - prova incontestável de que críticos, colunistas e jornalistas especializados serão sempre cada vez mais necessários.

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