Lucas Nobile
Corria o ano de 1953 e Betinho, aos 6, corria para distribuir as partituras para o tarol, o clarinete e outros instrumentos entre os músicos da orquestra comandada pelo tio Edgard. Ao mesmo tempo, os ouvidos do garoto já vinham sendo moldados pelas valsas do vô Antônio. Sem se dar conta, ali se escancarava um universo que não mais pararia de lhe revelar novidades.
Mais de meio século depois, ele completou 63 anos no domingo passado, numa festa comemorada no Teatro Castro Alves lotado, em Salvador, com direito a Parabéns a Você antes de um concerto histórico que fazia parte da programação do Mercado Cultural da Bahia.
Há tempos cultuado como um dos compositores e instrumentistas mais revolucionários da música brasileira, Betinho é conhecido do público como Egberto Gismonti e, no próximo sábado (dia 18), às 16 horas, apresenta-se em São Paulo em show gratuito, na Praça Dom José Gaspar.
A oportunidade de ouvir os temas desse embaixador da música moderna é rara. Não apenas em espetáculos e pelo fato de Gismonti transitar com mais frequência entre o Rio e o exterior, mas também porque ele não pretende mais gravar discos. "Eu não vou mais a estúdio para fazer discos, não tenho mais preocupação de compor", diz.
Hoje, os anseios são diferentes do início da carreira. Nos tempos modernos, em que programas de edição são usados para costurar músicas e maquiar imperfeições, o compositor não critica quem abusa das ferramentas tecnológicas, apenas argumenta que só sabe gravar tocando um tema do início ao fim.
"Se o cara faz assim e fica feliz, quem sou eu para discutir a felicidade dos outros? O que eu tinha de deixar como legado, já deixei. Hoje eu quero o anonimato", diz o músico nascido na cidade do Carmo, no Rio.
Troca de experiências
O convívio com amigos apresenta novidades a Gismonti que o estimulam a evoluir. Conhecedor profundo das raízes da música brasileira, ele conta que um de seus temas mais famosos, Maracatu, surgiu da influência de grandes bateristas e percussionistas, como Airto Moreira, Naná Vasconcelos, Robertinho Silva e Nenê.
Depois de eles terem "ensinado" a Gismonti que o ritmo nasceu graças a um tocador de tarol (caixa) bêbado, ele compôs uma das maiores joias de seu repertório.
Recentemente, como se pôde ouvir no concerto de domingo passado, em Salvador, a troca benéfica de experiências tem se estabelecido com a Orquestra de Sopros Pro Arte, formada por jovens de 17 a 25 anos.
"Seria muito simples eu dizer apenas que eles me renovam. Nossa relação é recente. O que acontece é que eles estão felizes e eu também. É uma diversão e daqui um bocado de tempo alguma coisa sai dessa combinação. Vamos ver o que é, eu ainda não sei", conta Gismonti.