As rádios brasileiras contra as guitarras

Adriana Del Ré

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Por Redação
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Vindos de uma trajetória independente, os gaúchos da banda Fresno fizeram barulho na internet. Até que, em 2007, participaram do álbum MTV Ao Vivo - 5 Bandas de Rock, ao lado dos grupos Moptop, Hateen, Forfun e NX Zero. Seu single, Polo, que estava nessa coletânea, foi parar nas rádios. Qual não foi a surpresa deles ao ouvirem a canção no dial. "As guitarras estavam mais baixas do que na versão original", lembra Lucas Silveira, vocalista e guitarrista do Fresno. "Foi estranho escutar essa versão para o rádio".

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A música Polo foi incorporada ao repertório do quarto disco da banda, Redenção, lançado há 3 anos, pela gravadora Universal. Em 2010, veio o CD Revanche e, junto com o novo trabalho, o desejo de virar a mesa contra essa espécie de guerra contra as guitarras.

Eles cogitam iniciar uma campanha que mobilize os fãs a reivindicar gravações originais nas rádios. "Quando tentam adequar seu som, tiram a alma do negócio. Podemos gravar versões acústicas? Claro. Nada contra. Desde que tenha nascido desse jeito", analisa Lucas.

Assim como Fresno, outras bandas de rock já se viram em meio a situações semelhantes. E, no mínimo, inimagináveis quando se sabe que roqueiros têm na guitarra a alma de sua música. Estaria o rock enfrentando uma "ditadura do acústico", reforçada pela extinção das rádios segmentadas e pela pasteurização da programação musical das emissoras?

Lucas Silveira acredita que sim. Seu conterrâneo Beto Bruno, vocalista do Cachorro Grande, concorda. "As rádios descaracterizam a música das bandas. Tiram as guitarras, querem mais violão. Isso não torna a música mais pop", reclama. Para que isso não aconteça, a banda deve se posicionar, acredita Beto. "Temos de dizer 'não' a essa onda", afirma.

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 Foto: Estadão

O vocalista do Capital Inicial, Dinho Ouro Preto, atesta que o número de execuções da banda no rádio é inversamente proporcional à quantidade de guitarras na música. "Quanto mais guitarras, menos execuções. Mas que se dane! Para mim, é mais importante fazer um disco que os fãs gostem", diz ele.

No estúdio e nos shows, os integrantes do Capital Inicial não abrem mão de ser fieis ao seu som. Mas fazem, espontaneamente, algumas versões menos pesadas, para terem chance de tocar nas rádios. É o chamado crossover (quando a música aparece em diferentes gêneros).

 O que, ainda assim, não é 100% de garantia que emplaquem. "Damos uma moderada, mas do nosso jeito. E, mesmo assim, chegam a pedir pra gente baixar ainda mais a guitarra. E isso a gente não faz", garante Dinho.

O produtor Carlos Eduardo Miranda lembra que essa ditadura do acústico não vem de hoje. O disco de estreia do Raimundos, lançado em 1994 e que ele produziu, trouxe no repertório uma versão acústica da canção Selim. No mesmo álbum, já havia a gravação original, com guitarra.

Foi uma espécie de resposta a uma gravadora que, quando procurada pela banda, exigiu que tirassem os palavrões das letras e diminuíssem as guitarras. "Botei essa música de zoeira no disco. Nada elaborado, para encher linguiça. E acabou sendo a mais tocada nas rádios", conta Miranda.

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Para ele, há outra ditadura musical acontecendo. "Vivemos a ditadura do não-incômodo. Quem toca em rádio já faz CD pensando nisso ou já tem as características do pop. O que não é crime. O Skank, por exemplo, não tem distorções e é bem legal".

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De rock para pop

Homem por trás da carreira de bandas como NX Zero, CPM 22 e Mamonas Assassinas, o produtor Rick Bonadio afirma que o pedido de versões light de músicas originalmente pesadas parte das próprias rádios. "Mas eles não pedem sem motivo. Há pesquisas que mostram que o ouvinte não quer escutar guitarras", diz.

Rick admite que não gosta de versões. Acha que a energia da música muda. Mas entende que, se o público pede uma coisa, a emissora de rádio tem de corresponder. E quem quiser tocar nela, também. "O rádio ainda é importante. Sem ele, não se chega ao grande público", destaca o produtor.

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 Foto: Estadão

A pesquisa mencionada por Rick é confirmada por Waguinho Rocha, diretor artístico da Fast 89 FM. "O ouvinte gosta mais de acústico, é mais fácil de ouvir", diz. Uma tendência que vem de quatro anos para cá. Assim, a antiga Rádio Rock virou pop, sob a nova pecha de Fast 89 FM, em voga desde fevereiro deste ano.

 "O ouvinte passou a gostar de muita coisa", diz Waguinho. Segundo Paulo Junqueiro, diretor artístico da gravadora EMI, no mundo todo, é normal as rádios sugerirem às bandas fazerem versões diferentes das músicas originais.

"Não precisa ser, necessariamente, mais acústica. Pode ser o oposto: uma versão mais pesada ou mais dance de uma música que, originalmente, foi gravada de uma forma mais acústica ou mais leve", declara ele. Junqueiro garante que essa decisão é tomada em parceria com os artistas.

"Se concluímos, em conjunto, que pode descaracterizar o trabalho, não lançamos". Na prática, porém, parece que não é bem assim. Afinal, se essa consulta fosse realmente feita, os músicos do Fresno, Capital Inicial e Cachorro Grande não estariam reclamando da ditadura do acústico.

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