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Histórias de São Paulo

O preço do lápis e a República do 171

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Por Pablo Pereira
Atualização:

Sai ano, entra ano, e a vida em janeiro pouco muda. Este é aquele mês duro - quando nos chegam os carnês do IPTU, IPVA. É quando milhares de famílias são forçadas a meter a mão no fundo do bolso para pagar o material escolar das crianças, como nos lembra estudo divulgado pelo Procon. É também o momento no qual a gente volta a se dar conta de que este é o país das espertices e malandragens. Sabe de quanto é a variação dos preços de um lápis, segundo o levantamento do Procon? 450%.

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Paraíso dos arranjos, o Brasil ainda é a terra da insuportável, vergonhosa e cansativa rotina do "venha a nós tudo - ao vosso reino, nada". É a sociedade do jeitinho, dos improvisos. É assim com legisladores, governos, profissionais liberais, industriais, atravessadores e, claro, com comerciantes.

Aqui o sujeito acha que pode sonegar, cobrar por fora, acrescentar o seu depois da vírgula, corromper, e até vender um lápis por quatro vezes o valor do menor preço (que já embute lucro). Tudo isso na maior mão grande.

Esse povo do comércio abusivo não está só nesse mundão do cada um por si. Na verdade, está escolado por ações oficiais, atos de autoridades que lhe aplicam uma carga tributária perversa sem lhe entregar a contrapartida do serviço público de qualidade. É a República do 171.

Dando exemplo, a autoridade usa suas maiorias legislativas, fisiológicas, para aprovar o avanço de suas garras sobre a renda do contribuinte. De cima a baixo.

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O governo federal, numa ponta, crava as unhas na produção; na outra, não reajusta, por exemplo, as tabelas do Imposto de Renda - e mantém o torniquete compulsório nos salários.

Anos atrás, a Previdência Social deu golpe em milhões e milhões de pessoas com o tal do fator previdenciário, artimanha das planilhas de custos tucanas que tira dinheiro da carteira do pessoal do dominó para fazer superávit primário em Brasília e sustentar a orgia na fábrica de cabides da máquina pública, política de corrosão de renda mantida intacta pelo lulopetismo-peemedebista.

Hoje o quadro é outro, as taxas de desemprego despencaram, a base de Carteiras de Trabalho assinadas, portanto, é bem mais larga, mas a maldade inventada nos anos 90, que sangra os caraminguás mensais dos aposentados, permanece. É dinheiro de sonhado bem-estar social que vai sumindo no ralo de governos...

Em São Paulo, a terra de altos preços dos pedágios das estradas cedidas pelo projeto tucano à consórcios privados e de congeladas alíquotas do ICMS, caça-níqueis estaduais que enchem cofres públicos e (alguns) privados, a vida segue a lógica sugadora da recente tentativa municipal da capital de um aumento do IPTU três vezes maior do que a taxa da inflação anual, obra de petistas com votos até de seus ex-inimigos políticos malufistas.

Está tudo aí, reduzindo renda e atrapalhando a vida do eleitor.

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O administrador público (petista, tucano, peemedebista, e outros) só sabe trabalhar com ferramentas que mutilam a renda suada de quem trabalha e produz. Sem vergonha nem culpa. E justifica que está dentro da lei. E está. O esquema legislador brasileiro criou-lhes a proteção. Desonerar a sociedade, eliminar impostos, são coisa de herege.

No caso da prefeitura, o novo eleito pode, assim que assume o cargo, rever a planta genérica de valores da cidade, base para cálculo do IPTU. Assim, arma seu orçamento para o segundo ano de mandato. E manda conta para o morador. Tudo na maior legalidade. Azar é do contribuinte. Que se vire!

Pois a folhinha na parede foi trocada, está lá agora o 2014.

Quem sabe aquele "pouco muda" (lá da primeira linha) possa representar um alento, um começo. Pelo menos neste janeiro, alguns brasileiros (os paulistanos) estão livres do danoso "me dei bem com o dinheiro dos outros".

Com o tempo, prega a fé nos humanos, talvez essa pontinha de lucidez que impediu o aumento abusivo de um imposto ajude no fim desse hábito, público e privado, de tomar mais e mais dinheiro do cidadão sem lhe fornecer produto e serviço justos.

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Quem sabe se não se pode começar por aí a desentortar a boca de uma sociedade desenhada pela lei de Gérson.

E, aí, um lápis possa até ser comprado pelo preço real de um lápis. Quem sabe...

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