A cidadezinha fica numa colina a 168 quilômetros de Teresina, capital do Piauí. Santa Cruz dos Milagres não tem agência bancária, não tem promotor de Justiça, nem juiz, nem bombeiros, e nem médicos residentes no município. Mas tem cerca de 4 mil moradores, prefeito, João Paulo de Assis Neto (PDT), 9 vereadores (seis deles da situação), 900 crianças na escola, um posto de saúde, e um soldado encarregado da segurança pública. Isso mesmo: um policial. Dias atrás, uma onda de assaltos em bancos de cidades vizinhas assustou moradores. Mas nem isso chamou a atenção externa.
Em pelo menos três datas do ano, 3 de maio, 5 de setembro e nos primeiros dias de novembro, recebe até 70 mil visitantes em romarias de fé a Santa Cruz, uma cruz de madeira rústica, de cerca de 1,5 metro por 80 cm, conservada numa redoma no altar da igreja do santuário, no ponto mais alto da cidade. A cidade é uma espécie de Fátima nordestina, uma Aparecida em miniatura, que atrai caravanas de católicos crédulos nos milagres da cruz de madeira.
Mas, em geral, segundo comerciantes e moradores, são pessoas de origem humilde com suas crenças e queixas destinadas aos santos milagreiros e à cruz rústica que marca o lugar. "Isso aqui fica lotado de gente. Parece uma Aparecida, lá de São Paulo", contou na última sexta-feira, a zeladora da igreja, mostrando o local no qual, conta a lenda da Santa Cruz, um beato e um vaqueiro teriam cravado a cruz de pau de chapada ainda nos final do Século 19.
Esse município do Piauí, lembrado nos dias de procissão de fé, é um exemplo de comunidade isolada não só pela geografia. É um caso de ausência de interesse do poder público estadual e federal no interior do Brasil. A centenária Santa Cruz dos Milagres, registrada em documentos da Igreja em 1888 e 1893, vive de uma fé invejável. Mas merecia mais. Mesmo com o prefeito Neto, que tem até foto com a presidente Dilma Rousseff, Santa Cruz dos Milagres não consegue nem a garantia de abastecimento regular de energia elétrica. Arrecada cerca de R$ 15 mil de ICMS e chega a um total de R$ 200 mil com dinheiros de fundos de participações dos municípios e outros programas.
Reeleito para o segundo mandato na prefeitura, Neto reclama da falta de luz, diz que está trabalhando para normalizar a situação. E destaca que já conseguiu selo do Unicef por dobrar a inclusão de centenas de crianças na escola. Ele diz que conhece bem o assunto. É filho de uma família de 21 irmãos "vivos" - outros dois já morreram. Com 56 anos, tem duas filhas. Neto agora sonha com médicos estrangeiros - "Eu quero um médico da Cuba", diz ele - e com a construção da Barragem Milagres no município. Se a Santa Cruz de pau bruto que está no altar da matriz ajudar, poderá então ter um médico morador e água abundante para irrigar as terras - e as finanças do município.
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